The Project Gutenberg EBook of Marilia de Dirceo, by Tomás António Gonzaga This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Marilia de Dirceo Author: Tomás António Gonzaga Release Date: March 30, 2006 [EBook #18082] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MARILIA DE DIRCEO *** Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) MARILIA DE DIRCEO. MARILIA DE DIRCEO. POR T.A.G. PRIMEIRA PARTE. LISBOA: Na Typ. de J.F.M. de Campos. 1824. MARILIA DE DIRCEO. LYRA I. Eu, Marilia, não sou algum vaqueiro, Que viva de guardar alheio gado, De tosco trato, de expressões grosseiro, Dos frios gelos, e dos sóes queimado. Tenho proprio casal, e nelle assisto; Dá-me vinho, legume, fruta, azeite, Das brancas ovelhinas tiro o leite, E mais as finas lãs, de que me visto. Graças, Marilia bella, Graças á minha Estrella! Eu vi o meu semblante n'uma fonte, Dos annos inda não está cortado: Os Pastores, que habitão este monte, Respeitão o poder do meu cajado. Com tal destreza toco a sanfoninha, Que inveja até me tem o proprio Alceste: Ao som della concerto a voz celeste; Nem canto letra que não seja minha. Graças, Marilia bella, Graças á minha Estrella! Mas tendo tantos dotes da ventura, Só aprêço lhes dou, gentil Pastora, Depois que o teu affecto me segura, Que queres do que tenho ser Senhora. He bom, minha Marilia, he bom ser dono De hum rebanho, que cubra monte, e prado Porém, gentil Pastora, o teu agrado Vale mais [~q] h[~u] rebanho, e mais [~q] h[~u] throno. Graças, Marilia bella, Graças á minha Estrella! Os teus olhos espalhão luz divina, A quem a luz do Sol em vão se atreve: Papoila, ou rosa delicada, e fina, Te cobre as faces, que são côr da neve. Os teus cabellos são huns fios d'ouro; Teu lindo corpo balsamos vapora. Ah! não, não fez o Ceo, gentil Pastora, Para gloria de Amor igual Thesouro. Graças, Marilia bella, Graças á minha Estrella! Leve-me a sementeira muito embora O rio sobre os campos levantado: Acabe, acabe a peste matadora, Sem deixar huma rez, o nedeo gado. Já destes bens, Marilia, não preciso: Nem me céga a paixão, que o mundo arrasta, Para viver feliz, Marilia, basta Que os olhos movas, e me dês hum riso. Graças, Marilia bella, Graças á minha Estrella! Hirás a divertir-te na floresta, Sustentada, Marilia, no meu braço; Aqui descançarei a quente sésta, Dormindo num leve somno em teu regaço: Era quanto a luta jogão os Pastores, E emparelhados correm nas campinas, Toucarei teus cabellos de boninas, Nos troncos gravarei os teus louvores. Graças, Marilia bella, Graças á minha Estrella! Depois que nos ferir a mão da Morte Ou seja neste monte, ou n'outra serra, Nossos corpos terão, terão a sorte De consumir os dous a mesma terra. Na campa, rodeada de cyprestes, Leráõ estas palavras os Pastores: "Quem quizer ser feliz nos seus amores, Siga os exemplos que nos derão estes" Graças, Marilia bella, Graças á minha Estrella! LYRA II. Pintão, Marilia, os Poetas A hum menino vendado, Com huma aljava de settas, Arco empunhado na mão: Ligeiras azas nos hombros, O tenro corpo despido; E de Amor, ou de Cupido São os nomes que lhe dão. Porém eu, Marilia, nego, Que assim seja Amor; pois elle Nem he moço, nem he cégo, Nem settas, nem azas tem, Ora pois, eu vou formar-lhe Hum retrato mais perfeito, Que elle já ferio meu peito; Por isso o conheço bem. Os seus compridos cabellos; Que sobre as costas ondeão, São que os de Apollo mais bellos; Mas de loura côr não são. Tem a côr da negra noite; E com o branco do rosto Fazem, Marilia, hum composto Da mais formosa união. Tem redonda, e lisa testa; Arqueadas sobrancelhas; A voz meiga, a vista honesta, E seus olhos são huns sóes, Aqui vence Amor ao Ceo, Que no dia luminoso O Ceo tem hum Sol formoso, E o travesso Amor tem dous. Na sua face mimosa, Marilia, estão misturadas Purpureas folhas de rosa, Brancas folhas de jasmim. Dos rubins mais preciosos Os seus beiços são formados; Os seus dentes delicados São pedaços de marfim. Mal vi seu rosto perfeito Dei logo hum suspiro, e elle Conheceo haver-me feito Estrago no coração. Punha em mim os olhos, quando Entendia eu não olhava: Vendo que o via, baixava A modesta vista ao chão. Chamei-lhe hum dia formoso; Elle ouvindo os seus louvores Com hum modo desdenhoso, Se surrio, e não fallou. Pintei-lhe outra vez o estado, Em que estava esta alma posta; Não me deo tambem resposta, Constrangeo-se, e suspirou. Conheço os signaes, e logo Animado da esperança, Busco dar hum desaffogo Ao cansado coração. Pégo em seus dedos nevados, E querendo dar-lhe hum beijo, Cubrio-se todo de pejo, E fugio-me com a mão. Tu, Marilia, agora vendo De Amor o lindo retrato, Comtigo estarás dizendo, Que he este o retrato teu. Sim, Marilia, a copia he tua, Que Cupido he Deos supposto: Se ha Cupido he só teu rosto, Que elle foi quem me venceo. LYRA III. De amar, minha Marilia, a formosura Não se podem livrar humanos peitos. Adorão os Heróes, e os mesmos brutos Aos grilhões de Cupido estão sujeitos. Quem, Marilia, despreza huma belleza, A luz da razão precisa, E se tem discurso, pisa A Lei, que lhe ditou a Natureza. Cupido entrou no Ceo. O grande Jove Huma vez se mudou em chuva de ouro: Outras vezes tomou as varias fórmas De General de Thebas, velha, e touro, O proprio Deos da Guerra deshumano Não viveo de amor illeso; Quiz a Venus, e foi prezo Na rede, que lhe armou o Deos Vulcano. Se amar huma belleza se desculpa Em quem ao proprio Ceo, e terra move; Qual he a minha gloria, pois igualo, Ou excedo no amor ao mesmo Jove? Amou o Pai dos Deoses Soberano Hum semblante peregrino: Eu adoro o teu divino, O teu divino rosto, e sou humano. LYRA IV. Marilia, teus olhos São réos, e culpados, Que soffra, e que beije Os ferros pezados De injusto Senhor. Marilia, escuta Hum triste Pastor. Mal vi o teu rosto, O sangue gelou-se, A lingoa prendeo-se, Tremi, e mudou-se Das faces a côr. Marilia, escuta Hum triste Pastor. A vista furtiva, O risco imperfeito, Fizerão a chaga, Que abriste no peito Mais funda, e maior. Marilia, escuta Hum triste Pastor. Dispuz-me a servir-te; Levava o teu gado Á fonte mais clara, Á vargem, e prado De relva melhor. Marilia, escuta Hum triste Pastor. Se vinha da herdade, Trazia nos ninhos As aves nascidas, Abrindo os biquinhos De fome ou temor. Marilia, escuta Hum triste Pastor. Se alguem te louvava De gosto me enchia; Mas sempre o ciume No rosto accendia Hum vivo calor. Marilia, escuta Hum triste Pastor. Se estavas alegre, Dirceo se alegrava; Se estavas sentida, Dirceo suspirava Á força da dor. Marilia, escuta Hum triste Pastor. Fallando com Laura, Marilia dizia; Surria-se aquella, E eu conhecia O erro de amor. Marilia, escuta Hum triste Pastor. Movida, Marilia, De tanta ternura, Nos braços me déste, Da tua fé pura Hum doce penhor. Marilia, escuta Hum triste Pastor. Tu mesma disseste Que tudo podia Mudar de figura; Mas nunca seria Teu peito traidor. Marilia, escuta Hum triste Pastor. Tu já te mudaste; E a Olaia frondoza, Aonde escreveste A jura horrorosa, Tem todo o vigor. Marilia, escuta Hum triste Pastor. Mas eu te desculpo, Que o fado tyranno Te obriga a deixar-me; Pois busca o meu damno Da sorte, que for. Marilia, escuta Hum triste Pastor. LYRA V. A caso são estes Os sitios formosos, Aonde passava Os annos gostosos? São estes os prados, Aonde brincava, Em quanto pastava O manso rebanho, Que Alceo me deixou? São estes os sitios? São estes; mas eu O mesmo não sou. Marilia, tu chamas? Espera que eu vou. Daquelle penhasco Hum rio cahia, Ao som do sussurro Que vezes dormia! Agora não cobrem Espumas nevadas As pedras quebradas: Parece que o rio O curso voltou. São estes os sitios? São estes; mas eu O mesmo não sou. Marilia, tu chamas? Espera que eu vou. Meus versos alegre Aqui repetia: O Eco as palavras Tres vezes dizia. Se chamo por elle Já não me responde; Parece se esconde, Cansado de dar-me Os ais que lhe dou. São estes os sitios? São estes; mas eu O mesmo não sou. Marilia, tu chamas? Espera que eu vou. Aqui hum regato Corria sereno, Por marg[~e]s cobertas De flores, e feno: Á esquerda se erguia Hum bosque fechado; E o tempo apressado, Que nada respeita, Já tudo mudou. São estes os sitios? São estes; mas eu O mesmo não sou. Marilia, tu chamas? Espera que eu vou. Mas como discorro? Acaso podia Já tudo mudar-se No espaço de hum dia? Existem as fontes, E os freixos copados; Dão flores os prados, E corre a cascata, Que nunca seccou. São estes os sitios? São estes; mas eu O mesmo não sou. Marilia, tu chamas? Espera que eu vou. Minha alma, que tinha Liberta a vontade, Agora já sente Amor, e saudade. Os sitios formosos, Que já me agradárão, Ah! não se mudárão! Mudárão-se os olhos, De triste que estou. São estes os sitios? São estes; mas eu O mesmo não sou. Marilia, tu chamas? Espera que eu vou. LYRA VI. Oh! quanto póde em nós a varia Estrella! Que diversos que são os genios nossos! Qual solta a branca vélla, E affronta sobre o pinho os mares grossos. Qual cinge com a malha o peito duro; E marchando na frente das cohortes, Faz a toare voar, cahir o muro. O sordido avarento em vão trabalha, Que possa o filho entrar no seu Thesouro. Aqui fechado estende Sobre a taboa, que verga, as barras de ouro. Sacode o jogador da copo os dados; E n'uma noite só, que ao somno rouba, Perde o resto dos bens do pai herdados. O que da voráz gulla o vicio adora Da lauta meza os prazeres fia. E o terno Alceste chora Ao som dos versos a que o genio o guia. O sabio Gallileo toma o compasso, E sem voar ao Ceo, calcula, e mede Das Estrellas, e Sol o immenso espaço. Em quanto pois, Marilia, a varia gente, Se deixa conduzir do proprio gosto; Passo as horas contente Notando as graças do teu lindo rosto. Sem cansar-me a saber se o Sol se móve, Ou se a terra voltea, assim conheço. Aonde chega a mão do grande Jove. Noto, gentil Marilia, os teus cabellos; E noto as faces de Jasmins, e rosas: Noto os teus olhos bellos; Os brancos dentes, e as feições mimosas. Quem fez huma obra tão perfeita, e linda, Minha bella Marilia, tambem póde Fazer os Ceos, e mais, se ha mais ainda. LYRA VII. Vou retratar a Marilia, A Marilia meus amores; Porém como, se eu não vejo Quem me empreste as finas cores! Dar-mas a terra não póde; Não que a sua côr mimosa Vence o lyrio, vence a rosa: O jasmim, e as outras flores. Ah soccorre, Amor, soccorre Ao mais grato empenho meu! Vôa sobre os Astros, vôa, Traze-me as tintas do Ceo. Mas não se esmoreça logo; Busquemos hum pouco mais; Nos mares talvez se encontrem Cores que sejão iguaes. Porém não, que em parallelo Da minha Ninfa adorada Perolas não valem nada, Não valem nada os coraes. Ah soccorre, Amor, soccorre Ao mais grato empenho meu! Vôa sobre os Astros, vôa, Traze-me as tintas do Ceo. Só no Ceo achar se podem Taes bellezas, como aquellas, Que Marilia tem nos olhos, E que tem nas faces bellas. Mas ás faces graciosas, Aos negros olhos, que matão, Não imitão, não retratão Nem Auroras, nem Estrellas. Ah soccorre, Amor, soccorre Ao mais grato empenho meu! Vôa sobre os Astros, vôa, Traz-me as tintas do Ceo. Entremos, Amor, entremos, Entremos na mesma Esfera. Venha Pallas, Venha Juno, Venha a Deosa de Cithera. Porém não, que se Marilia No certame antigo entrasse, Bem que a Paris não peitasse, A todas as tres vencera. Vai-te, Amor, em vão soccorres Ao mais grato empenho meu: Para formar-lhe o retrato Não bastão tintas do Ceo. LYRA VIII. Marilia, de que te queixas? De que te roube Dirceo O sincero coração? Não te deo tambem o seu? E tu, Marilia, primeiro Não lhe lançaste o grilhão? Todos amão: só Marilia Desta Lei da Natureza Queria ter izenção? Em torno das castas pombas Não rulão ternos pombinhos? E rulão, Marilia, em vão? Não se afagão c'os biquinhos? E a provas de mais ternura Não os arrasta a paixão? Todos amão: só Marilia Desta Lei da Natureza Queria, ter izenção? Já viste, minha Marilia, Avezinhas, que não fação Os seus ninhos no verão? Aquellas com quem se enlação Não vão cantar-lhe defronte Do molle pouzo em que estão? Todos amão: só Marilia Desta Lei da Natureza Queria ter izenção? Se os peixes, Marilia, gerão Nos bravos mares, e rios, Tudo effeitos de Amor são. Amão os brutos impios, A serpente venenosa, A Onça, o Tigre, o Leão. Todos amão: só Marilia Desta Lei da Natureza Queria ter izenção? As grandes Deosas do Ceo, Sentem a setta tyranna Da amorosa inclinação. Diana, com ser Diana, Não se abrasa, não suspira Pelo amor de Endymão? Todos amão: só Marilia Desta Lei da Natureza Queria ter izençao? Desiste, Marilia bella, De huma queixa sustentada Só na altiva opinião. Esta chamma he inspirada Pelo Ceo; pois nella assenta A nossa conservação. Todos amão: só Marilia Desta Lei da Natureza Não deve ter izenção. LYRA IX. Eu sou, gentil Marilia, eu sou captivo, Porém não me venceo a mão armada De ferro, e de furor: Huma alma sobre todas elevada Não cede a outra força que não seja Á tenra mão de Amor. Arrastem pois os outros muito embora Cadêas nas bigornas trabalhadas Com pezados martellos: Eu tenho as minhas mãos ao carro atadas Com duros ferros não, com fios d'ouro, Que são os teus cabellos. Occulto nos teus meigos vivos olhos Cupido a tudo faz tyranna guerra: Sacode a setta ardente; E sendo despedida cá da terra, As nuvens rompe, chega ao alto Impirio, E chega ainda quente. As abelhas nas azas suspendidas Tirão, Marilia, os succos saborosos Das orvalhadas flores: Pendentes dos teus beiços graciosos Ambrosias chupão, chupão mil feitiços Nunca fartos Amores. O vento quando parte em largas fitas As folhas, que menêa com brandura; A fonte crystallina, Que sobre as pedras cáe de immensa altura; Não fórma hum som tão doce, como fórma A tua voz divina. Em torno dos teus peitos, que palpitão; Exalão mil suspiros desvelados Enchames de desejos; Se encontrão os teus olhos descuidados, Por mais que se atropelem, voão, chegão, E dão furtivos beijos. O Cisne, quando corta o manso lago, Erguendo as brancas azas, e o pescoço; A Náo que ao longe passa, Quando o vento lhe infuna o panno grosso; O teu garbo não tem, minha Marilia, Não tem a tua graça. Estimem pois os mais a liberdade: Eu prézo o captiveiro: sim, nem chamo Á mão de Amor impia: Honro a virtude, e os teus dotes amo: Tambem o grande Achilles veste a saia Tambem Alcides fia. LYRA X. Se existe hum peito, Que izento viva Da chamma activa, Que accende Amor. Ah! não habite Neste montado; Fuja apressado Do vil traidor. Corra, que o Impio Aqui se esconde: Não sei aonde; Mas sei o que vi. Traz novas settas, Arco robusto; Tremi de susto; Em vão fugi. Eu vou mostrar-vos, Tristes mortaes, Quantos signaes O Impio tem. Oh! como he justo, Que todo o humano Hum tal tyranno Conheça bem! No corpo ainda Menino existe: Mas quem resiste Ao braço seu? Ao negro Inferno Levou a guerra: Vencêo a terra, Vencêo o Ceo. Já mais se cobrem Seus membros bellos; E os seus cabellos Que lindos são! Vendados olhos, Que tudo alcanção, E já mais lanção A setta em vão. As suas faces São côr da neve; E a bocca breve Só rizos tem. Mas, ah! respira Negros venenos, Que nem ao menos Os olhos vem. Aljava grande Dependurada, Sempre atacada De bons farpões. Fere com estas Agudas lanças, Pombinhas mansas, Bravos leões. Se a setta falta Tem outra prompta, Que a dura ponta Já mais torcêo. Ninguem resiste Aos golpes della: Marilia bella Foi quem lha dêo. Ah! não sustente Dura peleija, O que deseja Ser vencedor. Fuja, e não olhe, Que só fugindo De hum rosto lindo, Se vence Amor. LYRA XI. Naõ toques, minha Musa, não, não toques Na sonorosa Lyra, Que ás almas, como a minha, namoradas Doces Canções inspira: Assopra no clarim, que apenas sôa Enche de assombro a terra; Naquelle, a cujo som cantou Homero, Cantou Virgilio a Guerra. Busquemos, ó Musa, Empreza maior; Deixemos as ternas Fadigas de Amor. Eu já não vejo as graças, de que fórma Cupido o seu thesouro: Vivos olhos, e faces côr da neve, Com crespos fios de ouro; Meus olhos só vem gramas, e loureiros; Vem carvalhos, e palmas; Vem os ramos honrosos, que destinguem As vencedoras almas. Busquemos, ó Musa, Empreza maior; Deixemos as ternas Fadigas de Amor. Cantemos o Heróe, que já no berço As Serpes despedaça; Que fere os Cácos, que destronca as Hidras, Mais os leões que abraça. Cantemos, se isto he pouco, a dura guerra Dos Tritães, e Tyféos, Que arrancão as montanhas, e atrevidos Levão armas aos Ceos. Busquemos, ó Musa, Empreza maior; Deixemos as ternas Fadigas de amor. Anima pois, ó Musa, o instrumento, Que a voz tambem levanto; Porém tu déste muito assima o ponto, Dirceo não póde tanto: Abaixa, minha Musa, o tom, que ergueste; Eu já, eu já te sigo. Mas, ah! vou a dizer _Heróe_, e _Guerra_, E só _Marilia_ digo. Deixemos, ó Musa, Empreza maior, Só posso seguir-te Cantando de Amor. Feres as cordas d'ouro? Ah! sim, agora Meu canto já se afina; E a huma voz, parece que ao som dellas Se faz tambem divina. O mesmo que cercou de muro a Thebas Não canta assim tão terno; Nem póde competir comigo aquelle, Que desce ao negro Inferno. Deixemos, ó Musa, Empreza maior, Só posso seguir-te Cantando de Amor. Mal repito _Marilia_, as doces aves Mostrão signaes de espanto, Erguem os collos, voltão as cabeças, Parão o ledo canto; Move-se o tronco, o vento se suspende Pasma o gado, e não come: Quanto podem meus versos! Quanto póde Só de Marilia o nome! Deixemos, ó Musa, Empreza maior; Só posso seguir-te Cantando de Amor. LYRA XII. Topei hum dia Ao Deos vendado, Que descuidado Não tinha as settas Na impia mão. Mal o conheço, Me sóbe logo Ao rosto o fogo, Que a raiva accende No coração. _Morre, Tyranno, Morre, inimigo_! Mal isto digo, Raivoso o apérto Nos braços meus. Tanto que o moço Sente apertar-se, Para salvar-se Tambem me aperta Nos braços seus. O leve corpo Ao ar levanto, Ah! e com quanto Impulso o trago Do ar ao chão! Poude suster-se A vez primeira; Mas á terceira Nos pés, que alarga, Se firma em vão. Mal o derrubo, Ferro aguçado No já cançado Peito, que arqueja, Mil golpes deo. Suou seu corpo; Tremêo gemendo; E á côr perdendo, Batêo as azas; Em fim morreo. Qual bravo Alcides, Que a hirsuta pelle Vestio daquelle Grenhoso bruto, A quem matou. Para que próve A empreza honrada, C'o a mão manchada Recolho as settas, Que me deixou. Ouvio Marilia Que Amor gritava, E como estava Vizinha ao sitio Valer-lhe vem. Mas quando chega Espavorida, Nem já de vida O féro monstro Indicio tem. Então Marilia, Que o vê de perto De pó cuberto, E todo involto No sangue seu; As mãos aperta No peito brando, E afflicta dando Hum ai, os olhos Levanta ao Ceo. Chega-se a elle Compadecida; Lava a ferida C'o pranto amargo, Que deramou. Então o monstro Dando hum suspiro, Fazendo hum gyro C'o a baça vista, Resuscitou. Respira a Deosa; E vem o gosto Fazer no rosto O mesmo effeito, Que fez a dôr. Que louca idéa Foi a que tive! Em quanto vive Marilia bella, Não morre Amor. LYRA XIII. Oh! quantos riscos, Marilia bella, Não atropella Quem cégo arrasta Grilhões de Amor! Hum peito forte, De acordo falto, Zomba do assalto Do vil traidor. O amante de Hero Da luz guiado, C'o peito ousado Na escura noite Rompia o mar, Se o Helesponto Se encapellava, Ah! não deixava De lhe ir fallar. Do cantor Thracio A heroicidade Esta verdade, Minha Marilia, Prova tambem. Cheio de esfôrço Vai ao Cocyto Buscar afflito Seu doce bem. Que acção tão grande Nunca intentada! Ao pé da entrada Já tudo assusta O coração! Pendentes rochas, Campos adustos, Que nem arbustos Nem hervas dão. Na funda fralda De calvo monte, Corre Acheronte, Rio de ardente Mortal licor. Tem o barqueiro Testa enrugada, Vista inflammada, Que mete horror. Que seguranças! Que fechaduras! As portas duras Não são de lenhos; De ferro são. Por tres gargantas, Quando alguem bate, Raivoso late O negro cão. Dentro da cova Soão lamentos; E que tormentos Não mostra aos olhos A escassa luz! Minos a pena Manda se intime Igual ao crime, Que alli conduz. Grande penedo Este carrega; E apenas chega Do monte ao cume, O faz rolar. A pedra sempre Ao valle desce, Sem que elle cesse De a ir buscar. Nas limpas aguas Habita aquelle: Por cima delle Verdejão ramos, Que pomos dão. Debalde a bocca Molhar pertende; De balde estende Faminta mão. Tem outro o peito Despedaçado: Monstro esfaimado Já mais descança De lho roêr. A rôxa carne, Que o abutre come, Não se consome, Torna a crescer. Mas bem que tudo Pavor inspira, Tocando a lyra Desce ao Averno O bom Cantor. Não se entorpece A lingua, e braço; Não treme o passo, Não perde a côr. Ah! tambem quanto Dirceo obrára, Se precisára, Marilia bella, Do esforço seu! Rompêra os mares C'o peito terno, Fôra ao Inferno, Subíra ao Ceo. Aos dois amantes De Thracia, e Abydo Não deo Cupido Do que aos mais todos Maior valor. Por seus vassallos Forças reparte, Como lhes parte Os gráos de Amor. LYRA XIV. Minha bella Marilia, tudo passa; A sorte deste mundo he mal segura; Se vem depois dos males a ventura, Vem depois dos prazeres a desgraça. Estão os mesmos Deoses Sujeitos ao poder do impio Fado: Apollo já fugio do Ceo brilhante, Já foi Pastor de gado. A devorante mão da negra Morte Acaba de roubar o bem, que temos; Até na triste campa não podemos Zombar do braço da inconstante sorte. Qual fica no sepulchro, Que seus a vós erguêrão, descançando: Qual no campo, e lhe arranca os frios casos Ferro do torto arado. Ah! em quanto os Destinos impiedosos Não voltão contra nós a face irada, Façamos, sim façamos, doce amada, Os nossos breves dias mais ditosos. Hum coração que frouxo A grata posse de seu bem difere, A si, Marilia, a si proprio rouba, E a si proprio fere. Ornemos nossas testas com as flores, E façamos de feno hum brando leito, Prendamo-nos, Marilia, em laço estreito, Gozemos do prazer de sãos Amores. Sobre as nossas cabeças, Sem que o possão deter, o tempo corre; E para nós o tempo, que se passa, Tambem, Marilia, morre. Com os annos, Marilia, o gôsto falta, E se entorpece o corpo já cançado; Triste o velho cordeiro está deitado, E o leve filho sempre alegre salta. A mesma formosura He dote, que só goza a mocidade: Rugão-se as faces, o cabello alveja, Mal chega a longa idade. Que havemos d'esperar, Marilia bella? Que vão passando os florecentes dias? As glorias, que vem tarde, já vem frias; E póde em fim mudar-se a nossa estrella. Ah! não, minha Marilia, Aproveite-se o tempo, antes que faça O estrago de roubar ao corpo as forças, E ao semblante a graça. LYRA XV. A minha bella Marilia Tem de seu hum bom thesouro, Não he, doce Alceo, formado Do buscado Metal louro. He feito de huns alvos dentes, He feito de huns olhos bellos, De humas faces graciosas, De crespos, finos cabellos; E de outras graças maiores, Que a natureza lhe dêo: Bens, que valem sobre a terra, E que tem valor no Ceo. Eu posso romper os montes, Dar ás correntes desvios, Pôr cercados espaçosos Nos caudosos Turvos rios. Posso emendar a ventura Ganhando astuto a riqueza; Mas, ah! charo Alceo, quem póde Ganhar huma só belleza Das bellezas, que Marilia No seu thesouro metêo? Bens, que valem sobre a terra, E que tem valor no Ceo. Da sorte, que vive o rico Entre o fausto alegremente, Vive o guardador de gado Apoucado, Mas contente. Beije pois torpe avarento As arcas de barras chêas: Eu não beijo os vís thesouros; Beijo as douradas cadêas, Beijo as settas, beijo as armas Com que o cego Amor vencêo: Bens, que valem sobre a terra, E que tem valor no Ceo. Ama Apollo o fero Marte, Ama, Alceo, o mesmo Jove: Não he, não, a vã riqueza, Sim belleza, Quem os move. Posto ao lado de Marilia Mais que mortal me contemplo: Deixo os bens, que aos homens cegão, Sigo dos Deoses o exemplo: Amo virtudes, e dotes; Amo em fim, prezado Alceo, Bens, que valem sobre a terra, E que tem valor no Ceo. LYRA XVI. Eu, Glauceste, não duvido Ser a tua Eulina amada Pastora formosa, Pastora engraçada. Vejo a sua côr de rosa, Vejo o seu olhar divino, Vejo os seus purpùreos beiços, Vejo o peito crystallino; Nem ha cousa, que assemelhe Ao crespo cabello louro. Ah! que a tua Eulina vale, Vale hum immenso thesouro! Ella vence muito, e muito Á laranjeira copada, Estando de flores, E frutos ornada. He, Glauceste, os teus Amores; E nem por outra Pastora, Que menos dotes tivera, Ou que menos bella fôra, O meu Glauceste cançára As divinas cordas de ouro. Ah! que a tua Eulina vale, Val hum immenso thesouro! Sim, Eulina he huma Deosa; Mas anîma a formosura De huma alma de féra, Ou inda mais dura. Ah! quando Alceo pondéra Que o seu Glauceste suspira, Perde, perde o soffrimento, E qual enfermo delira! Tenha embora brancas faces, Meigos olhos, fios de ouro, A tua Eulina não vale, Não vale immenso thesouro. O fuzil, que imita a cobra, Tambem aos olhos he bello; Mas quando alumêa, Tu tremes de velo. Que importa se mostre chêa De mil bellezas a ingrata? Não se julga formosura A formosura, que mata. Evita, Glauceste, evita O teu estrago, e desdouro; A tua Eulina não vale, Não vale immenso thesouro. A minha Marilia quanto Á natureza não deve! Tem divino rosto, E tem mãos de neve. Se mostro na face o gôsto, Ri-se Marilia contente: Se canto, canta comigo; E apenas triste me sente, Limpa os olhos com as tranças Do fino cabello louro. A minha Marilia vale, Vale hum immenso thesouro. LYRA XVII. Minha Marilia, Tu enfadada? Que mão ousada Perturbar póde A paz sagrada Do peito teu? Porém que muito Que irado esteja O teu semblante Tambem troveja O Claro Ceo. Eu sei, Marilia, Que outra Pastora A toda a hora, Em toda a parte, Céga namora Ao teu Pastor. Ha sempre fumo Aonde ha fogo; Assim, Marilia, Ha zelos, logo Que existe amor. Olha, Marilia, Na fonte pura A tua alvura, A tua bocca, E a compostura Das mais feições. Quem tem teu rosto, Ah! não receia, Que terno amante Solte a cadeia, Quebre os grilhões. Não anda Laura Nestas campinas Sem as boninas No seu cabello, Sem pelles finas No seu jubão. Porém que importa? O rico aceio Não dá, Marilia, Ao rosto feio A perfeição. LYRA XVIII. Não ves aquelle velho respeitavel, Que á moleta encostado, Apenas mal se move, e mal se arrasta? Oh quanto estrago não lhe fez o tempo? O tempo arrebatado, Que o mesmo bronze gasta. Enrugárão-se as faces, e perdêrão Seus olhos a viveza; Voltou-se o seu cabello em branca neve: Já lhe treme a cabeça, a mão, o queixo; Nem tem huma belleza Das bellezas que teve. Assim tambem serei, minha Marilia Daqui a poucos annos; Que o impio tempo para todos corre. Os dentes cahiráõ, e os meus cabellos. Ah! sentirei os damnos, Que evita só quem morre. Mas sempre passarei huma velhice Muito menos penoza. Não trarei a moleta carregada: Descançarei o já vergado corpo Na tua mão piedoza, Na tua mão nevada. As frias tardes em que negra nuvem Os chuveiros não lance, Irei comtigo ao prado florescente: Aqui me buscarás hum sitio ameno, Onde os membros descance, E ao brando Sol me aquente. Apenas me sentar, então movendo Os olhos por aquella Vistoza parte, que ficar fronteira; Apontando direi: _Alli fallámos, Alli, ó minha bella, Te vi a vez primeira_. Verteráõ os meus olhos duas fontes, Nascidas de alegria: Farão teus olhos ternos outro tanto: Então darei, Marilia, frios beijos, Na mão formosa, e pia, Que me limpar o pranto. Assim irá, Marilia, docemente Meu corpo supportando Do tempo deshumano a dura guerra. Contente morrerei, por ser Marilia Quem sentida chorando, Meus baços olhos cerra. LYRA XIX. Em quanto pasta alegre o manso gado, Minha bella Marilia, nos sentemos Á sombra deste cedro levantado. Hum pouco meditemos Na regular belleza, Que em tudo quanto vive, nos descobre A sabia Natureza. Attende, como aquella vaca preta O novilhino seu dos mais separa, E o lambe, em quanto chupa a liza teta. Attende mais, ó chara, Como a ruiva cadella Supporta que lhe morda o filho o corpo; E salte em cima della. Repara, como cheia de ternura Entre as azas ao filho essa ave aquenta: Como aquella esgravata a terra dura, E os seus assim sustenta; Como se encoleriza, E salta sem receio a todo o vulto, Que junto delles piza. Que gosto não terá a esposa amante Quando der ao filhinho o peito brando, E reflectir então no seu semblante! Quando, Marilia, quando Disser comigo: _he esta De teu querido pai a mesma barba, A mesma bocca, e testa_. Que gosto não terá a mãi, que toca, Quando o tem nos seus braços, c'o dedinho Nas faces graciosas, e na bocca Do innocente filhinho! Quando, Marilia bella, O tenro infante já com risos mudos Começa a conhecê-la! Que prazer não terão os pais ao verem Com as mãis hum dos filhos abraçados; Jogar outros a luta, outros correrem Nos cordeiros montados! Que estado de ventura! Que até naquillo, que de pezo serve, Inspira Amor doçura. LYRA XX. Em huma frondosa Roseira se abria Hum negro botão. Marilia adorada O pê lhe torcia Com a branca mão. Nas folhas viçosas Á abelha inraivada O corpo escondêo. Tocou-lhe Marilia, Na mão descuidada A fera mordêo. A penas lhe morde, Marilia gritando, C'o dedo fugio. Amor, que nos bosques Estava brincando, Aos ais acudio. Mal vio a rotura, E o sangue espargido, Que a Deoza mostrou; Rizonho beijando O dedo offendido, Assim lhe fallou. _Se tu for tão pouco O pranto desatas, Ah! dá-me attençaõ; E como daquelle, Que feres, e matas, Naõ tens compaixaõ_? LYRA XXI. Não sei, Marilia, que tenho, Depois que vi o teu rosto; Pois quanto não he Marilia, Já não posso ver com gosto. Noutra idade me alegrava, Até quando conversava Com o mais rude vaqueiro: Hoje, ó bella, me aborrece Inda o trato lizongeiro Do mais discreto pastor. Que effeitos são os que sinto! Serão effeitos de amor? Sáio da minha cabana Sem reparar no que faço; Busco o sitio aonde moras, Suspendo defronte o passo. Fito os olhos na janella, Aonde, Marilia bella, Tu chegas ao fim do dia; Se alguem passa, e te saúda, Bem que seja cortezia, Se accende na face a côr. Que effeitos são os que sinto! Serão effeitos de Amor? Se estou, Marilia, comtigo, Não tenho hum leve cuidado; Nem me lembra, se são horas De levar á fonte o gado. Se vivo de ti distante, Ao minuto, ao breve instante, Finge hum dia o meu desgosto: Já mais, Pastora, te vejo Que em teu semblante composto Não veja graça maior. Que effeitos são os que sinto! Serão effeitos de Amor? Aonde já com o juizo; Marilia, tão perturbado, Que no mesmo aberto sulco Metto de novo o arado. Aqui no centêo pégo, Noutra parte em vão o cégo: Se alguem comigo conversa, Ou não respondo, ou respondo Noutra coiza tão diversa, Que nexo tão tem menor. Que effeitos são os que sinto! Serão effeitos de Amor? Se geme o bufo agoureiro Só Marilia me desvella: Enche-se o peito de magoa, E não sei a causa della. Mal durmo, Marilia, sonho, Que féro leão medonho Te devora nos meus braços: Gella-se o sangue nas veias. E sólto do somno os laços Á força da immensa dor. Ah! que os effeitos que sinto Só são effeitos de Amor. LYRA XXII. Muito embora, Marilia, muito embora Outra belleza, que não seja a tua, Com a vermelha roda, a seis puxada, Faça tremer a rua. As paredes da salla aonde habita Adorne a seda, e o tremó dourado; Pendão largas cortinas, penda o lustre Do této apainelado. Tu não habitarás Palacios grandes, Nem andarás nos coches voadores; Porém terás hum Vate, que te preze, Que cance os teus louvores. O tempo não respeita a formosura; E da palida morte a mão tyranna Arraza os edificios dos Augustos, E arraza a vil choupana. Que bellezas, Marilia, florecerão De quem nem se quer temos a memoria? Só podem conservar hum nome eterno Os versos, ou a historia. Se não houvesse Tasso, nem Petrarcha, Por mais que qualquer dellas fosse linda, Já não sabia o mundo, se existirão Nem Laura, nem Clorinda. He melhor, minha bella, ser lembrada Por quantos hão de vir sabios humanos, Que ter urcos, ter coches, e thesouros, Que morrem com os annos. LYRA XXIII. N'um sitio ameno Cheio de rosas, De brancos lyrios, Murtas viçosas; Dos seus amores Na companhia Dirceo passava Alegre o dia. Em tom de graça, Ao terno amante Manda Marilia Que toque, e cante. Péga na lyra, Sem que a tempere, A voz levanta, E as cordas fere. C'os doces pontos A mão atina, E a voz iguala A voz divina. Ella, que teve De rir-se a idéa, Nem move os olhos De assombro chêa. Então Cupido Apparecendo, Á bella falla Assim dizendo: _Do teu amado A lyra fias, Só porque delle Zombando rias_? _Quando n'um peito Assento faço, Do peito subo Á lingoa, e braço_. _Nem creias que outro Estylo tome, Sendo eu o mestre, A acção teu nome_. LYRA XXIV. Encheo, minha Marilia, o grande Jove De immensos animaes de toda a especie As terras, mais os ares, O grande espaço dos salobros rios, Dos negros, fundos mares. Para sua defeza, A todos dêo as armas, que convinha; Á sabia Natureza. Dêo as azas aos passaros ligeiros; Dêo ao peixe escamoso as barbatanas: Dêo veneno á serpente, Ao membrudo Elefante a enorme tromba, E ao Javali o dente. Coube ao leão a garra: Com leve pé saltando o servo foge; E o bravo touro marra. Ao homem dêo as armas do discurso Que valem muito mais que as outras armas: Dêo-lhe dedos ligeiros, Que podem converter em seu serviço Os ferros, e os madeiros; Que tecem fortes laços, E forjão raios com que aos brutos cortão Os vôos, mais os passos. Ás timidas donzellas pertencerão Outras armas, que tem dobrada força: Dêo-lhes a Natureza Além do entendimento, além dos braços As armas da belleza. Só ella ao Ceo se atreve, Só ella mudar póde o gello em fogo, Mudar o fogo em neve. Eu vejo, eu vejo ser a formosura Quem arrancou da mão de Coriolano A cortadora espada. Vejo que foi de Helena o lindo rosto Quem pôz em campo armada Toda a força de Grecia. E quem tirou o Sceptro aos Reis de Roma, Só foi, só foi Lucrecia. Se podem lindos rostos, mal suspirão, O braço desarmar do mesmo Achilles; Se estes rostos irados Podem soprar o fogo da descordia Em póvos alliados; Hes arbitra da terra; Tu pódes dar, Marilia, a todo o mundo A paz, e a dura guerra. LYRA XXV. O cego Cupido hum dia Com os seus Genios fallava, Do modo que lhe restava De captivar a Dirceo. Depois de larga disputa, Hum dos Genios mais sagazes Este conselho lhe dêo: As settas mais aguçadas, Como se em roxa batessem, Dão nos seus peitos, e descem Todas quebradas ao chão. Só as graças de Marilia Podem vencer hum tão duro, Tão izento coração. A fortuna desta empreza Consiste em armar-se o laço, Sem que sinta ser o braço, Que lho prepara, de Amor. Que elle vive como as aves, Que já deixárão as pennas No visco do Caçador. Na força deste conselho O raivoso Deos socega, E á tropa a honra entrega De o fazer executar. Todos pertendem ganhá-la, Batem as azas ligeiros, E vão as armas buscar. Os primeiros se occultárão Da Deosa nos olhos bellos; Qual se enlaçou nos cabellos; Qual ás faces se prendêo. Hum amorinho cansado Cahio dos labios ao seio, E nos peitos se escondêo. Outro Genio mais astuto Este novo ardil alcança, Muda-se n'uma criança De divino parecer. Esconde as azas, e a venda; Esconde as settas, e quanto Póde dá-lo a conhecer. Ella que vê hum menino Todo de graças cuberto, Tão risonho, e tão esperto Alli sózinho brincar. A elle endireita os passos; Finge Amor ter medo, e a Deosa Mais se empenha em lhe pegar. Ella corria chamando; Elle fugia, e chorava: Assim forão onde estava O descuidado Pastor. Este, mal vio a belleza, E o gentil menino, entende A malicia do traidor. Põe as mãos sobre os ouvidos, Cerra os olhos, e constante Não quer ver o seu semblante, Não o quer ouvir fallar. Qual Ulysses n'outra idade Para illudir as Serêas Mandou tambores tocar. Cupido, que a empreza via, Julga o intento frustrado, E de raiva transportado O corpo no chão lançou. Traçou a lingoa nos dentes; Mettêo as unas no rosto, E os cabellos arrancou. O Genio, que se escondia Entre os peitos da Pastora, Erguêo a cabeça fóra, E o successo conhecêo. Deixa o socego em que estava, E vai ligeiro metter-se No peito do bom Dirceo. Apenas c'o brando peito Lhe tocou a neve fria, Com o calor que trazia Lhe abrazou o coração. Dá o Pastor hum suspiro, Abre os seus olhos, e sólta Do apertado ouvido a mão. Logo que virão os Genios Ao triste Pastor disposto Para ver o lindo rosto, Para as palavras ouvir. Cada hum as armas toma, Cada hum com ellas busca Seu terno peito ferir. Com os cabellos da Deosa Lhe fórma hum Cupido laços, Que lhe segurão os braços, Como se fossem grilhões. O Pastor já não resiste; Antes beija satisfeito As suas doces prizões. LYRA XXVI. O destro Cupido hum dia Extrahio mimosas cores De frescos lyros, e rosas, De jasmins, e de outras flores. Com as mais delgadas pennas Usa de huma, e de outra tinta, E nos angulos do cobre A quatro bellezas pinta. Por fazer pensar a todos No seu lizo centro escreve Hum letreiro, que pergunta: _Este espaço a quem se deve_? Venus, que vio a pintura, E lêo a letra engenhosa, Pôz por baixo: _Eu delle cedo; Dê-se a Marilia formosa_. LYRA XXVII. Alexandre, Marilia, qual o rio Que engrossando no Inverno tudo arraza; Na frente das cohortes Cérca, vence, abraza As Cidades mais fortes. Foi na gloria das armas o primeiro, Morrêo na flor dos annos, e já tinha Vencido o mundo inteiro. Mas este bom Soldado, cujo nome Não ha poder algum, que não abata, Foi, Marilia, sómente Hum ditozo pirata, Hum salteador valente. Se não tem huma fama baixa, e escura; Foi por se pôr ao lado da injustiça A insolente ventura. O grande Cesar, cujo nome vôa, Á sua mesma Patria a fé quebranta; Na mão a espada toma, Opprime-lhe a garganta, Dá Senhores a Roma. Consegue ser heróe por hum delicto; Se acaso não vencesse então seria Hum vil traidor proscripto. O ser heróe, Marilia, não consiste Em queimar os Imperios: move a guerra, Espalha o sangue humano, E despovoa a terra Tambem o máo tyranno. Consiste o ser heróe em viver justo: E tanto póde ser heróe o pobre, Como o maior Augusto. Eu he que sou heróe, Marilia bella, Seguindo da virtude a honroza estrada. Ganhei, ganhei hum throno. Ah! não manchei a espada, Não a roubei ao dono. Ergui-o no teu peito, e nos teus braços: E valem muito mais que o mundo inteiro Huns tão ditosos laços. Aos barbaros, injustos vencedores Atormentão remorsos, e cuidados; Nem descanção seguros Nos Palacios cercados De tropa, e de altos muros. E a quantos nos não mostra a sabia historia A quem mudou o fado em negro opprobrio A mal ganhada gloria? Eu vivo, minha bella, sim, eu vivo Nos braços do descanço, e mais do gosto: Quando estou acordado, Contemplo no teu rosto De graças adornado; Se durmo logo sonho, e alli te vejo. Ah! nem desperto, nem dormindo sóbe A mais o meu desejo. LYRA XXVIII. Cupido tirando Dos hombros a aljava, N'um campo de flores Contente brincava. E o corpo tenrinho Depois enfadado, Incauto reclina Na relva do prado. Marilia formosa, Que ao Deos conhecia, Occulta espreitava Quanto elle fazia. Mal julga que dorme Se chega contente, As armas lhe furta, E o Deos a não sente. Os Faunos, mal virão As armas roubadas, Sahirão das grutas Soltando rizadas. Acorda Cupido, E a causa sabendo, A quantos o insultão Responde, dizendo: _Temieis as settas Nas minhas mãos cruas? Vereis o que podem Agora nas suas_. LYRA XXIX. O tyranno Amor risonho Me apparece, e me convida Para que seu jugo acceite; E quer que eu passe em deleite O resto da triste vida. _O sonoro Anacreonte_ (Astuto o moço dizia) _Já perto da morte estava, Inda de amores cantava; Por isso alegre vivia_. _Aos negros, duros pezares Não resiste hum peito fraco, Se Amor o não fortalece: O mesmo Jove carece De Cupido, e mais de Baccho_. Eu lhe respondo: _Perjuro Nada creio ao que dizes; Porque já te fui sujeito, Inda conservo no peito Estas frescas cicatrizes_. Amor, vendo que da offerta Algum apreço não faço, Me diz affoito que trate De ir com elle a combate Peito a peito, braço a braço. Vou buscar as minhas armas; Cinjo primeiro que tudo O brilhante arnêz, e á pressa Ponho hum elmo na cabeça, Tomo a lança, e o grosso escudo. Mal no Campo me apresento, Marilia (oh Ceos!) me apparece: Logo os olhos me fita, O meu coração palpita, A minha mão desfallece. Então me diz o tyranno: _Confessa louco o teu erro; Contra as armas da belleza Não vale a externa defeza. Dessa armadura de ferro_. LYRA XXX. Junto a huma clara fonte A mãi de Amor se sentou: Encostou na mão o rosto, No leve somno pegou. Cupido, que a vio de longe, Contente ao lugar corrêo; Cuidando que era Marilia Na face hum beijo lhe dêo. Acorda Venus irada: Amor a conhece; e então Da ousadia, que teve, Assim lhe pede o perdão: _Foi facil, ó Mãe formosa, Foi facil o engano meu; Que o semblante de Marilia He todo o semblante teu_. LYRA XXXI. Minha Marilia, Se tens belleza, Da natureza He hum favor. Mas se aos vindouros Teu nome passa, He só por graça Do Deos de amor, Que terno inflamma A mente, o peito Do teu Pastor. Em vão se virão Perlas mimosas, Jasmins, e rosas No rosto teu. Em vão terias Essas estrellas, E as tranças bellas Que o Ceo te dêo; Se em doce verso Não as cantasse O bom Dirceo. O voraz tempo Ligeiro corre: Com elle morre A perfeição. Essa, que o Egypto Sábia modera, De Marco impera No coração; Mas já Octavio Não sente a força Do seu grilhão. Ah! vem, ó bella, E o teu querido Ao Deos Cupido Louvores dar; Pois faz que todos Com igual sorte Do tempo, e morte Possão zombar: Tu por formosa, E elle, Marilia, Por te cantar. Mas ai! Marilia, Que de hum amante, Por mais que cante, Gloria não vem! Amor se pinta Menino, e cego: No doce emprêgo Do charo bem Não vê defeitos, E augmenta, quantas Bellezas tem. Nenhum dos Vates, Em teu conceito, Nutrio no peito Nescia paixão? Todas aquellas, Que vês cantadas, Forão dotadas De perfeição? Forão queridas; Porém formosas Talvez que não. Porém que importa Não valha nada Seres cantada Do teu Dirceo? Tu tens, Marilia, Cantor celeste; O meu Glauceste A voz ergueo; Irá teu nome Aos fins da Terra, E ao mesmo Ceo. Quando nas azas Do leve vento Ao Firmamento Teu nome for: Mostrando Jove Graça extremosa, Mudando a Esposa De inveja a côr; De todos ha-de, Voltando o rosto, Sorrir-se Amor. Ah! não se manche Teu brando peito Do vil defeito Da ingratidão: Os versos beija, Gentil Pastora, A penna adora, Respeita a mão, A mão discreta, Que te segura A duração. LYRA XXXII. N'uma noite socegado Velhos papeis revolvia, E por ver de que tratavão Hum por hum a todos lia. Erão copias emendadas De quantos versos melhores Eu compuz na tenra idade A meus diversos amores. Aqui leio justas queixas Contra a ventura formadas, Leio excessos mal acceitos, Doces promessas quebradas. Vendo sem razões tamanhas Eu exclamo transportado: _Que finezas tão mal feitas! Que tempo tão mal passado_! Junto pois n'hum grande monte Os soltos papeis, e logo, Porque reliquias não fiquem, Os intento pôr no fogo. Então vejo que o Deos cego Com semblante carregado Assim me falla, e crimina O meu intento acertado. _Queres queimar esses versos? Dize, Pastor attrevido, Essas Lyras não te forão Inspiradas por Cupido_? _Achas que de taes amores Não deve existir memoria? Sepultando esses triunfos, Não roubas a minha gloria_? Disse Amor; e mal se calla, Nos seus hombros a mão pondo, Com hum semblante sereno Assim á queixa respondo: _Depois, Amor, de me dares A minha Marilia bella, Devo guardar humas Lyras, Que não são em honra della_? _E que importa, Amor, que importa Que a estes papeis destrua; Se he tua esta maõ; que os rasga, Se a chamma, que os queima, he tua_? Apenas Amor me escuta Manda que os lance nas brazas; E ergue a chamma c'o vento, Que formou batendo as azas. LYRA XXXIII. Péga na lyra sonora, Péga meu charo Glauceste; E ferindo as cordas de ouro, Mostra aos rusticos Pastores A formosura celeste De Marilia, meus amores. Ah, pinta, pinta A minha bella! E em nada a cópia Se affaste della. Que concurso, meu Glauceste, Que concurso tão ditoso! Tu és digno de cantares O seu semblante divino; E o teu canto sonoroso Tambem do seu rosto he dino. Ah, pinta, pinta A minha bella! E em nada a cópia Se affaste della. Para pintares ao vivo As suas faces mimosas, A discreta Natureza Que providencia não teve! Creou no jardim as rosas, Fez o lyro, e fez a neve. Ah, pinta, pinta A minha bella! E em nada a cópia Se affaste della. A pintar as negras tranças Peço que mais te desvelles: Pinta chusmas de amorinhos Pelos seus fios trepando; Huns tecendo cordas delles, Outros com elles brincando. Ah, pinta, pinta A minha bella! E em nada a cópia Se affaste della. Para pintares, Glauceste, Os seus beiços graciosos, Entre as flores tens o cravo, Entre as pedras a granada; E para os olhos formosos, A estrella da madrugada. Ah, pinta, pinta A minha bella! E em nada a cópia Se affaste della. Mal retratares do rosto Quanto julgares preciso, Não dês a cópia por feita; Passa a outros dotes, passa, Pinta da vista, e do riso A modestia, mais a graça. Ah, pinta, pinta A minha bella! E em nada a cópia Se affaste della. Pinta o garbo de seu rosto Com expressões delicadas; Os seus pés, quando passeão, Pizando ternos amores; E as mesmas plantas calcadas Brotando viçosas flores. Ah, pinta, pinta A minha bella! E em nada a cópia Se affaste della. Pinta mais, prezado amigo, Hum terno amante beijando Suas douradas cadeias; E em doce pranto desfeito, Ao monte, e valle ensinando O nome, que tem no peito. Ah, pinta, pinta A minha bella! E em nada a cópia Se affaste della. Nem suspendas o teu canto, Inda que, Pastor, se veja Que a minha bocca suspira, Que se banha em pranto o rosto; Que os outros chorão de inveja, E chora Dirceo de gosto. Ah, pinta, pinta A minha bella! E em nada a cópia Se affaste della. FIM DA 1.^a PARTE. MARILIA DE DIRCEO. POR T.A.G. SEGUNDA PARTE. LISBOA: 1824. Na Typ. de J.F.M. de Campos. MARILIA DE DIRCEO LYRA I. Já não cínjo de loiro a minha testa, Nem sonoras Canções o Deos me inspira: Ah! que nem me resta Huma já quebrada, Mal sonora Lyra! Mas neste mesmo estado em que me vejo, Pede, Marilia, Amor que vá cantar-te: Cumpro o seu desejo; E ao que resta supra A paixão, e a arte. A fumaça, Marilia, da candêa, Que a molhada parede ou çuja, ou pinta; Bem que tosca, e fêa, Agora me póde Ministrar a tinta. Aos mais preparos o discurso apronta: Elle me diz, que faça no pé de huma Má laranja ponta, E delle me sirva Em lugar de pluma. Perder as uteis horas não, não devo Verás, Marilia, huma idéa nova: Sim, eu já te escrevo, Do que esta alma dita Quanto amor approva. Quem vive no regaço da ventura, Nada obra em te adorar, que assombro faça: Mostra mais ternura Quem te estima, e morre Nas mãos da desgraça. Nesta cruel masmorra tenebrosa Ainda vendo estou teus olhos bellos, A testa formosa, Os dentes nevados, Os negros cabellos. Vejo, Marilia, sim, e vejo ainda A chusma dos Cupidos, que pendentes Dessa bôcca linda, Nos ares espalhão Suspiros ardentes. Se alguem me perguntar onde eu te vejo, Responderei--no peito--que huns Amores De casto desejo Aqui te pintárão, E são bons Pintores. Mal meus olhos te virão, ah! nessa hora Teu Retrato fizerão, e tão forte, Que entendo, que agora Só póde apagallo O pulso da Morte. Isto escrevia, quando, ó Céos, que pejo! Descubro a lêr-me os versos o Deos loiro. Ah! dá-lhes hum beijo, E diz-me que valem Mais que letras de oiro. LYRA II. Esprema a vil calumnia muito embora Entre as mãos denegridas, e insolentes Os venenos das plantas, E das bravas serpentes. Chovão raios e raios, no meu rosto Não has-de ver, Marilia, o modo escrito; O medo perturbado, Que infunde o vil delicto. Pódem muito conheço, pódem muito, As Furias infernaes, que Pluto move; Mas póde mais que todas Hum dedo só de Jove. Este Deos convertêo em flor mimosa; A quem seu nome derão, a Narciso, Fêz d' muitos os Astros, Qu' inda no Ceo diviso. Elle póde livrar-me das injurias Do nescio, do atrevido ingrato povo; Em nova flor mudar me, Mudar-me em Astro novo. Porém se os justos Céos por fins occultos Em tão tyranno mal me não soccorrem, Verás então, que os sabios, Bem como vivem, morrem. Eu tenho hum coração maior que o mundo. Tu, formosa Marilia, bem o sabes: Hum coração, e basta, Onde tu mesma cabes. LYRA III. Succede, Marilia bella, Á medonha noite o dia: A estação chuvosa e fria, Á quente secca estação. Muda-se a sorte dos tempos; Só a rainha sorte não? Os troncos, nas Primaveras, Brotão em flores viçosos; Nos Invernos escabrosos Largão as folhas no chão. Muda-se a sorte dos troncos; Só a minha sorte não? Aos brutos, Marilia, cortão Armadas redes os passos; Rompem depois os seus laços, Fogem da dura prisão. Muda-se a sorte dos brutos; Só a minha sorte não? Nenhum dos homens conserva Alegre sempre o seu rosto; Depois das penas vem gosto, Depois do gosto afflicção. Muda-se a sorte dos homens; Só a minha sorte não? Aos altos Deoses movêrão Soberbos Gigantes guerra; No mais tempo o Ceo, e a Terra Lhes tributa adoração. Muda-se a sorte dos Deoses; Só a minha sorte não? Hade, Marilia, mudar-se Do destino a inclemencia: Tenho por mim a innocencia, Tenho por mim a razão. Muda-se a sorte de tudo; Só a minha sorte não? O tempo, ó bella, que gasta Os troncos, pedras, e o cobre, O véo rompe, com que encobre Á verdade a vil traição. Muda-se a sorte de tudo; Só a minha sorte não? Qual eu sou verá o mundo, Mais me dará do que eu tinha, Tornarei a ver-te minha. Que feliz consolação! Não ha de tudo mudar-se, Só a minha sorte não. LYRA IV. Já, já me vai, Marilia, branquejando Loiro cabello, que circúla a testa. Este mesmo, que alveja, vai cahindo, E pouco já me resta. As faces vão perdendo as vivas côres, E vão-se sobre os ossos enrugando, Vai fugindo a viveza dos meus olhos; Tudo se vai mudando. Se quero levantar-me, as costas vergão; As forças dos meus membros já se gastão, Vou a dar pela casa huns curtos passos, Pesão-me os pés, e arrastão. Se algum dia me vires desta sorte, Vê que assim me não pôz a mão dos annos: Os trabalhos, Marilia, os sentimentos, Fazem os meus danos. Mal te vir me dará em poucos dias, A minha mocidade o doce gosto; Verás burnir-se a pelle, o corpo encher-se, Voltar a côr ao rosto. No calmoso Verão as plantas seccão, Na Primavera, que aos mortaes encanta, Apenas cahe do Ceo o fresco orvalho, Verdeja logo a planta. A doença deforma a quem padece; Mas logo que a doença fez seu termo, Torna, Marilia, a ser quem era d'antes, O definhado enfermo. Suppo[~e]-me qual doente, ou qual a planta, No meio da desgraça, que me altera: Eu tambem te supponho qual saude, Ou qual a Primavera. Se dão esses teus meigos, vivos olhos Aos mesmos Astros luz, e vida ás flores; Que effeitos não farão, em quem por elles Sempre morrêo de amores? LYRA V. Os mares, minha bella, não se movem; O brando Norte assopra, nem diviso Huma nuvem sequer na Esfera toda, O destro Nauta aqui não he preciso; Eu só conduzo a náo, eu só modéro Do seu governo a roda. Mas ah! que o Sul carrega, o mar se empolla, Rasga-se a véla, o mastaréo se parte! Qualquer varão prudente aqui já teme Não tenho a necessaria força, e arte. Corra o sabio Piloto, corra, e venha Reger o duro leme. Como succede á náo no mar, succede Aos homens na ventura, e na desgraça: Basta ao feliz não ter total demencia, Mas quem de venturoso a triste passa, Deve entregar o leme do discurso Nas mãos da sã prudencia. Todo o Ceo se cubrio, os raios chovem; E esta alma, em tanta pena consternada, Nem sabe aonde possa achar conforto. Ah, não, não tardes, vem, Marilia amada, Toma o leme da náo, marêa o panno, Vai-a salvar no porto. Mas ouço já de Amor as sabias vozes: Elle me diz que soffra se não morro; E perco então se morro huns doces laços. Não quero já, Marilia, mais soccorro, Oh ditoso soffrer, que lucrar póde A gloria dos teus braços. LYRA VI. De que te queixas, Lingua importuna? De que a Fortuna Roubar-te queira, O que te deu? Este foi sempre O genio seu. Levou, Marilia, A impia sorte Catoens á morte; Nem sepultura Lhes concedeu. Este foi sempre O genio seu. A outros muitos, Que vís nascêrão, Nem merecêrão, A grandes thronos A impia ergueu. Este foi sempre O genio seu. Espalha a cega Sobre os humanos Os bens, e os damnos; E a quem se devão Nunca escolheu. Este foi sempre O genio seu. A quanto he justo, Já mais se dobra; Nem igual obra C'os mesmos Deoses Do cáro Ceo. Este foi sempre O genio seu. Sóbe ao Ceo Venus N'hum carro ufano; E cahe Vulcano Da pura esfera, Em que nasceu. Este foi sempre O genio seu. Mas não me rouba, Bem que se mude, Honra, e virtude: Que o mais he della, Mas isto he meu. Este foi sempre O genio seu. LYRA VII. Meu prezado Glauceste, Se fazes o conceito, Que bem que réo abrigo A candida virtude no meu peito. Se julgas, digo, que mereço ainda Da tua mão soccorro; Ah! vem dar-m'o agora, Agora sim que morro. Não quero, que montado No Pegaso fogoso, Venhas com dura lança Ao monstro infame traspassar raivoso. Deixa que viva a perfida calumnia, E forge o meu tormento: Com menos, meu Glauceste, Com menos me contento. Toma a lyra doirada, E toca hum pouco nella: Levanta a vóz celeste Em parte que te escute a minha bella; Enche todo o contorno de alegria; Não soffras, que o desgosto Affogue em pranto amargo O seu divino rosto. Eu sei, eu sei, Glauceste, Que hum bom Cantor havia, Que os brutos amansava; Que os troncos, e os penedos attrahia. De outro destro Cantor tambem affirma; A sábia Antiguidade, Que as muralhas erguêra De huma grande Cidade. Orfeo as cordas fere; O som delgado, e terno Ao Rei Plutão abranda, E o deixa que penetre o fundo Averno. Ah, tu a nenhum cedes, nem Glauceste; Na lyra, e mais no canto: Podes fazer prodigios; Obrar ou mais, ou tanto. Levanta pois as vozes: Que mais, que mais esperas? Consola hum peito afflito; Que he menos inda, que domar as féras. Com isto me darás no meu tormento Hum doce lenitivo, Que em quanto a bella vive, Tambem, Glauceste, vivo. LYRA VIII. Eu vejo, ó minha bella, aquelle Numen, A quem o nome derão de Fortuna, Pega-me pelo braço, E com voz importuna Me diz que mova o passo; Que entre no grande Templo, em [~q] se encerra, Quanto o destino manda, Que ella obre sobre a terra. Que coizas portentosas nelle encontro! Eu vejo a pobre fundação de Roma, Vejo-a queimar Carthago; Vejo que as gentes doma; E vejo o seu estrago. Lá florece o poder do Assyrio Povo: Aqui os Medos crescem E os perde hum braço novo. Então me diz a Deosa: _E que pertendes? Todas estas Medalhas vêr agora? Ah! não, não sejas louco! Espaço de annos fôra Para isto ainda pouco. Deixo estranhos successos; vem comigo, Verás quanto inda deve Acontecer comtigo_. Levou-me aonde estava a minha historia, Que toda me explicou com medo, e arte. _Tirei-te libras de oiro_ Me diz, _e quero dar-te Todo aquelle thesoiro. Não suspira por bens hum peito nobre_: Sevéro lhe respondo. _Vivo affeito a ser pobre_. Aqui me enruga a Deosa irada a testa; E fica sem fallar hum breve espaço. _Alegra, alegra o rosto_, Prosegue, _alli te faço Restituir o posto_. Respondo com ar de mofa, e tom sereno. _Conheço-te, Fortuna, Posso morrer pequeno_. _Aqui te dou_, me diz, _a tua amada_. Então me banho todo de alegria _Cuidei_, me torna a cega, _Que essa alma não queria Nem esta mesma entrega. He esse o bem_, respondo, _que me move; Mas este bem he santo, Vem só da mão de Jove_. Queria mais fallar; eu insoffrido Desta maneira rompo os seus accentos: _Basta, Fortuna, basta; Estes breves momentos Lá noutras coizas gasta; Da minha sorte nada mais contemplo_. E chamando Marilia Suspiro, e deixo o Templo. LYRA IX. A estas horas Eu procurava Os meus Amores; Tinhão-me inveja Os mais Pastores. A porta abria, Inda esfregando Os olhos bellos, Sem flor, nem fitta Nos seus cabellos: Ah! que assim mesmo Sem compostura, He mais formosa, Que a estrella d'alva; Que a fresca rosa. Mal eu a via, Hum ar mais leve, (Que doce effeito!) Já respirava Meu terno peito. Do cerco apenas Soltava o gado, Eu lhe amimava Aquella ovelha Que mais amava. Dava-lhe sempre No rio, e fonte, No prado, e selva, Agua mais clara, Mais branda relva. No cóllo a punha, Então brincando A mim a unia; Mil coizas ternas Aqui dizia. Marilia vendo Que eu só com ella He que fallava; Ria-se a furto, E disfarçava. Desta maneira Nos castos peitos, De dia, em dia A nossa chamma Mais se accendia. Ah! quantas vezes No chão sentado, Eu lhe lavrava As finas rócas, Em que fiava? Da mesma sorte Que á sua amada, Que está no ninho, Fronteiro canta O passarinho. Na quente sésta, Della defronte, Eu me entretinha Movendo o ferro Da sanfoninha. Ella por dar-me De ouvir o gosto, Mais se chegava: Então vaidoso Assim cantava: Não ha Pastora, Que chegar possa Á minha bella; Nem quem me iguale Tambem na estrella: Se Amor concede Que eu me recline No branco peito, Eu não invejo De Jove o leito: Ornão seu peito As sãs virtudes, Que nos namorão; No seu semblante As Graças morão. Assim vivia: Hoje em suspiros O canto mudo: Assim, Marilia, Se acaba tudo. LYRA X. Arde o velho barril, arde a cabeça, Em honra de João na larga rua; O credulo Mortal agora indaga, Qual seja a sorte sua? Eu não tenho alcaxofra, que á luz chegue, E nella orvalhe o Ceo de madrugada, Para ver se rebentão novas folhas, Aonde foi queimada. Tambem não tenho hum ovo, que despeje Dentro de hum cópo d'agua, e possa nella Fingir Palacios grandes, altas Torres, E huma Náo á véla. Mas, ah! em bem me lembre: eu tenho ouvido Que na boca hum bochecho d'agoa tome, E atráz de qualquer porta attento esteja, Até ouvir hum nome. Que o nome, que primeiro ouvir, he esse O nome, que ha de ter a minha amada: Pode verdade ser, se fôr mentira, Tambem não custa nada. Vou tudo executar, e de repente Ouvi dizer o nome de Filena: Despejo logo a boca: ah! não sei como Não morro alli de pena! Apparece Cupido: então soltando Em ar de zombaria huma risada. E que tal, me pergunta, esteve a peça? Não foi bem pregada? Eu já te disse, que Marilia he tua: Tu fazes do meu dito tanta conta, Que vais acreditar, o que te ensina Velha mulher já tonta. Humilde lhe respondo: quem debaixo Do açoite da Fortuna afflito geme, Nas mesmas coisas, que só são brinquedos, Se agoirão males, teme. LYRA XI. Se acaso não estou no fundo Averno Padece, ó minha bella, sim padece O peito amante, e terno, As afflições tyrannas, que os Preceitos Arbîtra Rhadamantho em justa pena Dos barbaros delictos. As Furias infernaes, rangendo os dentes Com a mão descarnada não me applicão As raivosas serpentes. Mas cercão-me outros monstros mais irados: Mordem-me sem cessar as bravas serpes De mil, e mil cuidados. Eu não gasto, Marilia, a vida toda Em lançar o penedo da montanha; Ou em mover a roda. Mas tenho ainda mais cruel tormento: Por coisas que me affligem, roda, e gyra Cançado pensamento. Com retorcidas unhas agarrado Ás tepidas entranhas não me come Hum abutre esfaimado. Mas sinto de outro monstro a crueldade: Devora o coração, que mal palpita, O abutre da saudade. Não vejo os pomos, nem as aguas vejo, Que de mim se retirão, quando busco Fartar o meu desejo; Mas quer, Marilia, o meu destino ingrato, Que lograr-te não possa, estando vendo Nesta alma o teu retrato. Estou no Inferno, estou, Marilia bella; E n'huma coisa só he mais humana A minha dura estrella: Huns não podem mover do Inferno os passos; Eu pertendo vôar, e vôar cedo Á gloria dos teus braços. LYRA XII. Ah, Marilia, que tormento Não tens de sentir saudosa! Não podem ver os teus olhos A campina deleitosa, Nem a tua mesma Aldêa, Que tyrannos não proponhão Á inda inquieta idéa Huma imagem de afflição. Mandarás aos surdos Deoses Novos suspiros em vão. Quando levares, Marilia, Teu ledo rebanho ao prado Tu dirás: aqui trazia Dirceo tambem o seu gado. Verás os sitios ditosos Onde, Marilia, te dava, Doces beijos amorosos Nos dedos da branca mão. Mandarás aos surdos Deoses Novos suspiros em vão. Quando á janella sahires Sem quereres, descuidada, Tu verás, Marilia, a minha E minha pobre morada. Tu dirás então comtigo: Alli Dirceo esperava Para me levar comsigo: E alli soffreo a prisão. Mandarás aos surdos Deoses Novos suspiros em vão. Quando vires igualmente Do caro Glauceste a choça, Onde alegre se juntavão Os pouco da escolha nossa, Pondo os olhos na varanda Tu dirás, de mágoa chêa: Todo o congresso alli anda, Só o meu Amado não. Mandarás aos surdos Deoses Novos suspiros em vão. Quando passar pela rua O meu companheiro honrado, Sem que me vejas com elle Caminhar emparelhado, Tu dirás: não foi tyranna Sómente comigo a sorte; Tambem cortou deshumana A mais fiel união. Mandarás aos surdos Deoses Novos suspiros em vão. N'uma masmorra mettido Eu não vejo imagens destas, Imagens, que são por certo A quem adora funestas. Mas se existem separadas Dos inchados rôxos olhos, Estão, que he mais, retratadas No fundo do coração. Tambem mando aos surdos Deoses Tristes suspiros em vão. LYRA XIII. Ves, Marilia, hum cordeiro De flores enramado, Como alegre caminha A ser sacrificado? O Povo para o Templo já concorre: A Pyra sacro-santa já se accende: O Ministro o fere, elle bala, e morre. Vês agora o novilho, A quem segura o laço: No chão as mãos especa: Nem quer mover hum passo: Não conhece que sahe de hum máo terreno; Que o forte pulso, que a seguir o arrasta, O conduz a viver n'um campo ameno. Ignora o bruto, como Lhe dispomos a sorte: Hum vai forçado á vida, Vai outro alegre á morte, Nós temos, minha bella, igual demencia: Não sabemos os fins, com que nos move A sábia, occulta Mão da Providencia. De Jacob ao bom filho Os máos matar quizerão: De conselho mudárão, Como escravo o vendêrão: José não corre a ser hum servo afflito: Vai subindo os degráos, por onde chega A ser hum quasi Rei no grande Egypto. Quem sabe se o Destino Hoje, ó bella, me prende, Só porque nisto de outros Mais damnos me defende? Póde inda raiar hum claro dia. Mas quer raie, quer não, ao Ceo adoro; E beijo a santa mão, que assim me guia. LYRA XIV. Alma digna de mil Avós Augustos! Tu sentes, tu soluças Ao ver cahir os justos; Honras as santas leis da Humanidade: E aos teus exemplos deve Gravar com letras de oiro no seu Templo A candida Amizade. Não he, não he de Heróe huma alma forte, Que vê com rosto enchuto No seu igual a morte. Não he tambem de Heróe hum peito duro, Que a sua gloria firma, Em que lhe não resiste ao ferro, e fogo, Nem legião, nem muro. Oh! quanto ousado Chefe me namora, Quando vê a cabeça Do bom Pompeo, e chora! He grande para mim, quem move os passos, E de Dario aos filhos, Que como escravos seus tratar podéra, Recebe nos seus braços. Se alcança Eneas, Capitão piedoso, Entre os Heróes do Mundo Hum nome glorioso, Não he, porque levanta huma cidade; He sim, porque nos hombros Salvou do incendio ao Pai a quem detinha A mão da branca idade. Ah! se ao meu contrario entre as chãmas vira; Eu mesmo, sim, da morte Aos hombros o remira: Inda por elle muito mais obrára: E se nada servisse, Fizera então, Amigo, o que fizeste, Gemêra, e suspirára. Oh! quanto são duraveis as cadêas De huma amizade, quando Se dão iguaes idéas! Se a pezar dos estorvos se sustinha Nossa união sincera, Foi por ser a minha alma igual á tua, E a tua igual á minha. Se, ó caro Amigo, te merece tanto, Lá lhe fica a sua alma, Limpa-lhe o terno pranto. De quem eu fallo, és tu, Marilia bella. Ah! sim, honrado Amigo, Se enxugar não poderes os seus olhos; Prantêa então com ella. LYRA XV. Eu, Marilia, não fui nenhum Vaqueiro; Fui honrado Pastor da tua Aldêa; Vestia finas lãns, e tinha sempre A minha chóça do preciso chêa. Tirarão-me o casal, e o manso gado, Nem tenho a que me encoste hum só cajado. Para ter, que te dar, he que eu queria De mór rebanho ainda ser o dono; Prezava o teu semblante, os teus cabellos Ainda muito mais que hum grande Throno. Agora que te offerte já não vejo Além de hum puro amor, de hum são desejo. Se o rio levantado me causava Levando a sementeira prejuiso, Eu alegre ficava apenas via Na tua breve boca hum ar de riso. Tudo agora perdi; nem tenho o gosto De ver-te ao menos compassivo o rosto. Propunha-me dormir no teu regaço As quentes horas da comprida sésta, Escrever teus louvores nos olmeiros, Toucar-te de papoilas na floresta. Julgou o justo Ceo, que não covinha Que a tanto gráo subisse a gloria minha. Ah, minha bella, se a Fortuna volta, Se o bem que já perdi alcanço, e provo; Por essas brancas mãos, por essas faces Te juro renascer hum homem novo; Romper a nuvem que os meus olhos cerra, Amar no Ceo a Jove, e ati na terra. Fiadas comprarei as ovelhinhas, Que pagarei dos poucos do meu ganho; E dentro em pouco tempo nos veremos Senhores outra vez de hum bom rebanho. Para o contagio lhe não dar sobeja Que as affague Marilia, ou só que as veja. Se não tivermos lans, e pelles finas, Podem mui bem cobrir as carnes nossas As pelles dos cordeiros mal cortidas, E os pannos feitos com as lans mais grossas. Mas ao menos será o teu vestido Por mãos de Amor, por minhas mãos cozido. Nós iremos pescar na quente sésta Com canas, e com cêstos os peixinhos: Nós iremos caçar nas manhãs frias Com a vara envisgada os passarinhos; Para nos divertir faremos quanto Reputa o varão sabio, honesto, e santo. Nas noites de serão nos sentaremos C'os filhos se os tivermos á fogueira; Entre as falsas historias, que contares, Lhes contarás a minha verdadeira: Pasmados te ouviráõ; eu entre tanto Ainda o rosto banharei de pranto. Quando passarmos juntos pela rua Nos mostraráõ c'o dedo os mais Pastores, Dizendo huns para os outros: olha os nossos Exemplos da desgraça, e sãos amores. Contentes viviremos desta sorte, Até que chegue a hum dos dois a morte. LYRA XVI. Vejo, Marilia, Que o nédeo gado Anda disperso No monte, e prado; Que assim succede Ao desgraçado, Que a perder chega O seu Pastor. Mas inda soffro A viva dôr. Tambem conheço, Que os Pegureiros, Que apascentavão Os meus cordeiros, Darão suspiros E verdadeiros; Porque perdêrão Hum pai no amor. Mas inda soffro A viva dôr. Eu mais alcanço; Que a minha herdade Estando eu prezo, Soffrer não ha-de Nem a charrua, E nem a grade; Que a mão lhe falta Do Lavrador. Mas inda soffro A viva dôr. Mas quando sobe Á minha idéa, Que tu ficaste Lá nessa Aldêa. De mil cuidados E mágoa cheia; Das paixões minhas Não sou senhor. Eu já não soffro A viva dôr. A quanto chega A pena forte! Peza-me a vida, Desejo a morte, A Jove accuso, Maldigo a sorte, Trato a Cupido Por hum traidor. Eu já não soffro A viva dôr. Mas este excesso Perdão merece, E delle Jove Se compadece; Que Jove, ó bella, Mui bem conhece, Aonde chega Paixão de amor. Eu já não soffro A viva dôr. LYRA XVII. Dirceo te deixa, ó bella, De padecer cançado: Frio suor já banha Seu rosto descórado; O sangue já não gyra pela vêa, Seus pulsos já não batem; E a clara luz dos olhos se bacêa: A lagrima sentida já lhe corre; Já pára a convulsão, suspira, e morre. Seu espirito chega Onde se pune o erro: Late o cão, e se lhe abrem Grossos portões de ferro. Aos severos Juizes se apresenta; E com sentidas vozes Toda a sua tragedia representa: Enche-se de ternura, e novo espanto O mesmo inexoravel Rhadamantho. Abre hum pasmado a boca, E a pedra não despede; Outro já não se lembra Da fome, e mais da sede: Descança o curvo bico, e a garra impia Negro abutre esfaimado: Nem a roca medonha a Parca fia, Até as mesmas Furias inclementes Deixão cahir das unhas as serpentes. Já votão os Juizes; E o Rei Plutão lhe ordena Deixe o sitio, em que ficão Almas dignas de pena. Já sahe do escuro Reino, e da memoria Lhe passa tudo quanto Ou póde dar-lhe mágoa, ou dar-lhe gloria. Só, bem que o gosto as turvas agoas tome, Inda, Marilia, inda diz teu nome. Entra já nos Elysios Campinas venturosas, Que mansos rios cortão, Que cobrem sempre as rosas. Escuta o canto das sonoras aves, E bebe as agoas puras, Que o mel, e de que o leite mais suaves. Aqui, diz elle, espero a minha bella, Aqui contente viverei com ella. Aqui... porém aonde Me leva a dôr activa? He illusão desta alma. Jove inda quer que eu viva. Eu devo sim gosar teus doces laços; E em paga dos meus males Devo morrer, Marilia, nos teus braços. Então eu passarei ao Reino amigo; E tu irás despois lá ter comigo. LYRA XVIII. Não mólho, Marilia, De pranto a masmorra Que o terno Cupido Não vôe, e não corra, A hilo apanhar. Estende-o nas azas Sobre elle suspira, Por fim se retira, E vai-to levar. Se o moço não mente, Aos tristes gemidos, Aos ais lastimosos Não guardes unidos, Marilia, c'os teus: As lagrimas nossas No seio amontôa Fórma azas, e vôa, Vai pô-las nos Ceos. A Deosa formosa, Que amava aos Troianos, Livra-los querendo De riscos, e damnos A Jove buscou. As aguas, que o rosto Da Deosa banhárão, A Jove abrandárão, E assim os salvou. Confia-te, ó bella, Confia-te em Jove; Ainda se abranda, Ainda se move Com ancias de amor. O pranto de Venus, Que obrou no Pai tanto, Não tem que o teu pranto Apreço maior. LYRA XIX. Nesta triste masmorra, De hum semivivo corpo sepultura, Inda, Marilia, adoro A tua formosura. Amor na minha idéa te retrata, Busca extremoso, que eu assim resista Á dôr immensa, que me cerca, e mata. Quando em meu mal pondero, Então mais vivamente te diviso: Vejo o teu rosto, e escuto A tua voz, e riso. Movo ligeiro para o vulto os passos: Eu beijo a tibia luz em vez de face; E aperto sobre o peito em vão os braços. Conheço a illusão minha; A violencia da mágoa não supporto; Foge-me a vista, e caio Não sei se vivo, ou morto. Enternece-se Amor de estrago tanto; Reclina-me no peito, e com mão terna Me limpa os olhos do salgado pranto. Despois que represento Por largo espaço a imagem de hum defunto, Movo os membros, suspiro, E onde estou pergunto. Conheço então que Amor me tem comsigo; Ergo a cabeça, que inda mal sustento, E com doente voz assim lhe digo. Se queres ser piedoso, Procura o sitio em que Marilia móra, Pinta-lhe o meu estrago, E vê, Amor, se chora. Se as lagrimas verter a dôr a arrasta, Huma dellas me traze sobre as pennas, E para allivio meu só isto basta. LYRA XX. E me visses com teus olhos Nesta masmorra mettido; De mil idéas funestas, E cuidados combatido: Qual seria, ó minha bella, Qual seria o teu pezar? Á força da dôr cedêra; E nem estaria vivo, Se o menino Deos vendado, Extremoso, e compassivo, Com o nome de Marilia Não me viesse animar. Deixo a cama ao romper d'alva; O meio dia tem dado, E o cabello inda flutua Pelas costas desgrenhado. Não tenho valor, não tenho; Nem para de mim cuidar. Diz-me Cupido: E Marilia; Não estima esse cabello? Se o deixas perder de todo Não se ha de enfadar ao vêllo? Suspiro pego no pente, Vou logo o cabello atar. Vem hum taboleiro entrando De varios manjares cheio, Põe-se na meza a toalha, E eu pensativo passeio: De todo o comer esfria, Sem nelle poder tocar. Eu entendo que matar-te, Diz Amor, te tens proposto; Fazes bem: terá Marilia Desgosto sobre desgosto. Qual enfermo c'o remedio Me afflijo, mas vou jantar. Chegão as horas Marilia, Em que o Sol já se tem posto, Vem-me á memoria que nellas Via á janella o teu rosto: Reclino na mão a face E entro de novo a chorar. Diz-me Cupido: Já basta, Já basta, Dirceo, de pranto; Em obsequio de Marilia Vai erguer teu doce canto. Pendem as fontes dos olhos, Mas eu sempre vou cantar. Vem o Forçado accender-me A velha çuja candêa; Fica, Marilia, a masmorra Inda mais triste, e mais fêa. Nem mais canto, nem mais posso Huma só palavra dar. Diz-me Cupido: São horas De escrever-se o que está feito; Do azeite, e da fumaça Huma nova tinta ageito, Tomo o páo, que penna finge, Vou as Lyras copiar. Sem que chegue o leve sono Canta o Gallo a vez terceira; Eu digo ao Amor; que fico Sem deitar-me a noite inteira: Faço mimos, e promessas Para elle me acompanhar. Elle diz que em dormir cuide, Que hei-de ver Marilia em sonho; Não respondo huma palavra, A dura cama componho, Apago a triste candêa, E vou-me logo deitar. Como póde a taes cuidados Risistir, ó minha Bella, Quem não tem de Amor a graça? Se eu que vivo á sombra della Inda vivo desta sorte, Sempre triste a suspirar? LYRA XXI. Que diversas que são, Marilia, as horas Que passo na masmorra immunda, e fêa, Dessas horas felizes, já passadas Na tua patria Aldêa. Então eu me ajuntava com Glauceste; E á sombra de alto Cédro na Campina Eu versos te compunha, e elle os compunha Á sua cara Eulina. Cada qual o seu canto aos Astros leva; De exceder hum ao outro qualquer trata O ecco agora diz: _Marilia terna_; E logo: _Eulina ingrata_. Deixão os mesmos Sátyros as grutas: Hum para nós ligeiro move os passos; Ouve-nos de mais perto, e faz a flauta C'os pés em mil pedaços. Dirceo (clama hum Pastor,) ah! bem merece Da ternissima Marilia a formosura. E aonde, clama o outro, quer Eulina Achar maior ventura? Nenhum Pastor cuidava do rebanho, Em quanto em nós durava esta porfia. E ella, ó minha amada, só findava Depois de acabar-se o dia. Á noite te escrevia na cabana Os versos, que de tarde havia feito; Mal tos dava, e os lias, os guardavas No casto, e branco peito. Beijando os dedos dessa mão formosa, Banhados com as lagrimas do gosto, Jurava não cantar mais outras graças Que as graças do teu rosto. Ainda não quebrei o juramento. Eu agora, Marilia, não as canto; Mas inda vale mais que os doces versos A voz do triste pranto. LYRA XXII. Por morto, Marilia, Aqui me reputo: Mil vezes escuto O som do arrastado, E duro grilhão. Mas, ah! que não treme, Não treme de susto O meu coração. A chave lá sôa Na porta segura: Abre-se a escura, Infame masmorra Da minha prizão. Mas, ah! que não treme; Não treme de susto O meu coração. Eu vejo, Marilia, A mil innocentes Nas Cruzes pendentes, Por falsos delictos, Que os homens lhes dão. Mas, ah! que não treme, Não treme de susto O meu coração. Se penso que posso Perder o gozar-te A gloria de dar-te Abraços honestos, E beijos na mão. Marilia, já treme, Já treme de susto O meu coração. Repára, Marilia, O quanto he mais forte Ainda que a morte, N'um peito esforçado De amor a paixão. Marilia, já treme, Já treme de susto O meu coração. LYRA XXIII. Não praguejes, Marilia, não praguejes A justiceira mão que lança os ferros: Não traz de balde a vingadora espada; Deve punir os erros. Virtudes de Juiz, virtudes de homem As mãos se derão, e em seu peito morão. Mandão prender ao Réo austera a boca, Porém seus olhos chorão. Se á innocencia denigre a vil calumnia Que culpa aquelle tem que applica a penna. Não he o Julgador, he o processo, E a lei quem nos condemna. Só no Averno os Juizes não recebem Accusação, nem prova de outro humano; Aqui todos confessão suas culpas, Não póde haver engano. Eu vejo as Furias affligindo aos tristes: Huma o fogo chega, outra as serpes move; Todos maldizem sim a sua estrella, Nenhum accusa a Jove. Eu tambem inda adoro ao grande Chefe, Bem que a prizão me dá que eu não mereço. Qual eu sou, minha bella, não me trata, Trata-me qual pareço. Quem suspira, Marilia, quando pune Ao vassallo que julga delinquente; Que gosto não terá podendo dar-lhe As honras de innocente? LYRA XXIV. Eu vou, Marilia, vou brigar co' as feras: Huma soltárão, eu lhe sinto os passos, Aqui aqui a espero Nestes despidos braços. He hum malhado tigre; a mim já corre, Ao peito o aperto, estalão-lhe as costelas, Desfallece, cahe, urra, treme, e morre. Vem agora hum Leão: sacode a grenha, Com faminta paixão a mim se lança; Venha embora, que o pulso Ainda não se cança. Opprimo-lhe a garganta, a lingua estira, O corpo lhe fraquêa, os olhos inchão, Açoita o chão convulso, arqueja, e espira. Mas que vejo, Marilia! tu te assustas? Entendes que os destinos inhumanos Expoem a minha vida No cêrco dos Romanos? Com ursos, e com onças eu não luto. Luto c'o bravo monstro que me accusa; Que os tigres, e leões mais féro, e bruto. Embora contra mim raivoso esgrima Da vil calumnia a cortadora espada; Huma alma, qual eu tenho, Não se recêa a nada. Eu hei-de, sim, punir-lhe a insolencia, Pizar-lhe o negro cóllo, abrir-lhe o peito Co' as armas invenciveis da innocencia. Ah, quando imaginar, que vingativo Mando que desça ao Tartaro profundo Hei-de com mão honrada Erguer-lhe o corpo immundo. Eu então lhe direi: Infame, indîno, Obras como costuma o vil humano; Faço o que faz hum coraçao divino. LYRA XXV. Minha Marilia, O passarinho, A quem roubárão Ovos, e ninho, Mil vezes pousa No seu raminho, Piando finge Que anda a chorar. Mas logo vôa Pela espessura, Nem mais procura Este lugar. Se acaso a vacca Perde a vitéla, Tambem nos mostra, Que se desvéla, O pasto deixa, Muge por ella, Até na estrada A vem buscar. Em poucos dias, Ao que parece, Della se esquece, E vai pastar. O voraz Tempo, Que o ferro come, Que aos mesmos Reinos Devora o nome, Tambem, Marilia, Tambem consome Dentro do peito Qualquer pezar. Ah só não póde Ao meu tormento Por hum momento Allivio dar. Tambem, ó bella, Não ha quem viva Instantes breves Na chamma activa; Derrete ao bronze Sendo excessiva Ao mesmo seixo Faz estalar. Mas do amianto A fêbra dura Na chamma atura Sem se queimar. Tambem, Marilia, Não ha quem negue, Que bem que o fogo Nos oleos pegue, Que bem que em lingoas Ás nuvens chegue, Á força d'agoa Se ha de apagar. Se a negra pedra Nós accendemos, Com agoa a vemos Mais s'inflammar. O meu discurso, Marilia, he resto: A pena iguala Ao meu affecto. O amor que nutro Ao teu aspecto, E o teu semblante He singular. Ah! nem o tempo, Nem inda a morte A dôr tão forte Pode acabar. LYRA XXVI. Aquelle, a quem fêz cégo a Natureza, C'o bordão apalpa, e aos que vem pergunta; Ainda se despenha muitas vezes, E dois remedios junta. De ser céga a Fortuna eu não me queixo; Sim me queixo de que má céga seja Céga que nem pergunta, nem apalpa, He porque errar deseja. A quem gastar não sabe, nem se anima, Entrega as grossas chaves de hum thesoiro; E lança na miseria a quem conhece Para que serve o oiro. A quem fere, a quem rouba, a infame deixa Que a traz do vicio em liberdade corra, Eu honro as leis do Imperio, ella me opprime N'esta vil masmorra. Mas ah! minha Marilia, que esta queixa Co' a sólida razão se não coaduna, Como me queixo da Fortuna tanto, Se sei não ha Fortuna? Os Fados, os Destinos, essa Deosa Que os Sábios fingem que huma roda move He só a occulta mão da Providencia, A sábia mão de Jove. Nós he que somos cegos, que não vemos; A que fins nos conduz por estes modos; Por torcidas estradas, ruins varedas Caminha ao bem de todos. Alegre-se o perverso com as ditas; C'o seu merecimento o virtuoso; Parecer desgraçado, ó minha bella, He muito mais honroso. LYRA XXVII. A minha amada He mais formosa Que branco lyrio, Dobrada rosa, Que o cinnamomo, Quando matiza Co' a folha a flor. Venus não chega Ao meu Amor. Vasta campina De trigo chêa, Quando na sésta C'o vento ondêa, Ao seu cabello Quando flutua Não he igual. Tem a côr negra: Mas quanto val! Os astros, que andão Na esfera pura, Quando scintilão Na noite escura, Não são humanos, Tão lindos, como Seus olhos são. Que ao Sol excedem Na luz que dão. Ás brancas faces, Ah! não se atreve Jasmis de Italia, Nem inda a neve, Quando a desata O Sol brilhante Com seu calôr. São neve, e causão No peito ardôr. Na breve boca Vejo enlaçadas As finas per'las Com as granadas; A par dos beiços Rubins da India Tem preço vil. Nelles se agarrão Amores mil. Se não lhe désse Compadecido Tanto soccorro O Deos Cupido; Se não vivêra Huma esperança No peito seu; Já morto estava O bom Dirceo. Vê quanto póde Teu bello rosto; E de goza-lo O vivo gosto! Que sobmergido Em hum tormento Quasi infernal, Porqu' inda espero Resisto ao mal. LYRA XXVIII. Deten-te, vil humano, Não espremas cicutas Para fazer-me damno. O çumo que ellas dão he pouco forte, Procura outras bebidas, Que apressem mais a morte. Desce ao Reino profundo, Ajunta ahi venenos, Que nunca visse o mundo; Traze o negro licôr, que tem nos dentes, Nos dentes retorcidos As raivosas serpentes. Cachopo levantado, Que pôz a Natureza, Dentro no Mar salgado, Não se abala no meio da tormenta, Bem que huma onda, e outra onda Sobre elle em flor rebenta. Arvore, que na terra Ás robustas raizes, Buscando o centro, afferra, Não teme ao furacão mais violento; E menos se se deixa Vergar do rijo vento. Sou tronco, e rócha, ó bella, Que açoita o Sul que brama, E o Mar, que se encapella: Não temas que do rosto a côr se mude: Vence as róchas, e os troncos A sólida Virtude. A maior desventura He sempre a que nos lança No horror da sepultura: O cobarde a morrer tambem caminha; Com que males não póde Huma alma como a minha? LYRA XXIX. Eu descubro procurar-me Gentil mancebo, e loiro, Trazia a testa adornada Com folhas de verde loiro. Vejo ser o Pai das Musas, E me entrega a lyra d'oiro. Já basta, me diz, ó filho, Já basta de sentimento; O cançado peixe exige Hum breve contentamento. Louva a formosa Marilia Ao som do meu instrumento. Firo as cordas; mas que importa? A dôr não socega em tanto. Ergo a voz, então reparo Que quanto mais corre o pranto He mais doce, e mais sonoro Meu terno, e saudoso canto. Apollo fitou os olhos Na mão, que regía o braço; E depois de estar suspenso, De me houvir hum largo espaço; Assim diz: _o Deos Cupido Faz inda mais do que eu faço_. _Eu te dou a minha lyra, Louva, louva a tua Bella; Porém vê que ta concedo Com condição, e cautella_... Eu lhe corto a voz, dizendo, Que só canto em honra della. LYRA XXX. O pai das Musas, O Pastor loiro Deo-me, Marilia, Para cantar-te A lyra de oiro. As cordas firo, O brando vento Teus dotes leva Nas brancas azas Ao firmamento. O teu cabello Vale hum thesoiro; Hum só me adorna A sabia frente Melhor que o loiro. Nesses teus olhos Amor assiste; Delles faz guerra; Ninguem lhe foge; Ninguem resiste. Algumas vezes Eu o diviso Tão bem occulto Nas lindas cóvas, Que faz teu riso. Nesses teus peitos Tem os seus ninhos Destros Amores, Nelles se gerão Os Cupidinhos. Vences a Venus, Quando com arte As armas toma, Porque mais prenda Ao fero Marte. Eu produzia Estas idéas, Quando, Marilia; O som escuto Das vis cadêas. Dou hum suspiro. Corre o meu pranto; E inda bebendo Lagrimas tristes, De novo canto. Sou da constancia Hum vivo exemplo. E vós, ó ferros, Honrareis inda De Amor o Templo. LYRA XXXI. Roubou-me, ó minha Amada, a sorte impía, Quanto de meu gosava N'um só funesto dia. Honras de maioral, manada grossa, Fertil, extensa herdade, Bem reparada chóça. Metteo-me nesta infame sepultura, Que he sepulcro sem honras, Breve masmorra, escura. Aqui, ó minha Amada, nem consigo, Venha outro desgraçado Sentir tambem comigo. Mas se esta companhia não mereço; Os Deoses me dão outra, Inda de mais apreço. Não he, não, illusão o que te digo; Tu mesma me acompanhas; Peno, mas he comtigo. Não vejo as tuas faces graciosas, Os teus soltos cabellos, As tuas mãos mimosas. Se eu as visse, infeliz me não dissera, Bem que subira ao Porto, Bem que na Cruz pendêra. Não ouço as tuas vozes magoadas, Com ardentes suspiros Ás vezes mal formadas. Mas vejo, ó cara, as tuas letras bellas; Huma por hum beijo, E choro então sobre ellas. Tu me dizes que siga o meu destino; Que o teu amor na ausencia Será leal, e fino. De novo a carta ao coração aperto, De novo a molha o pranto Que de ternura verto. Ah! leve muito embora o duro Fado; A tudo quanto tenho Com meu suor ganhado. Eu juro, que do roubo nem me queixe, Com tanto, ó minha cara, Que este só bem me deixe. Que males voluntarios não subírão, Os que te amão, sómente Porque menos te ouvírão? Dê pois aos mais seus bens a Deosa céga; Que eu tenho aquella gloria, Que a mil felizes nega. LYRA XXXII. Se o vasto mar se encapella, E na rócha em flor rebenta, Grossa náo, q' não tem léme, Em vão sustentar-se intenta; Até que naufraga, e corre Á discrição da tormenta. Quem não tem huma Belleza, Em que ponha o seu cuidado, Se o Ceo se cobre de nuvens, E se assopra o vento irado, Não tem forças que resistão Ao impulso do seu fado. Nesta sombria masmorra, Aonde, Marilia, vivo, Encosto na mão o rosto, Fico ás vezes pensativo. Ah! que imagens tão funestas Me finge o pezar activo. Parece que vejo a honra, Marilia, toda enlutada, A face de hum pai rugosa, N'um mar de pranto banhada, Os amigos mascilentos, E a familia consternada. Quero voltar os meus olhos Para outro diverso lado, Vejo n'uã grande Praça Hum Theatro levantado. Vejo as Cruzes, vejo os Potros, Vejo o Alfanje afiado. Hum frio suor me cobre, Lação-se os membros, suspiro, Busco allivio ás minhas ancias, Não o descubro, deliro. Já, meu Bem, já me parece, Que nas mãos da morte espiro. Vem-me então ao pensamento A tua testa nevada, Os teus meigos, vivos olhos, A tua face rosada, Os teus dentes crystallinos, A tua boca engraçada. Qual, Marilia, a estrella d'alva, Que a negra noite affugenta, Qual o Sol, que a nevoa espalha Apenas a terra aquenta, Ou qual Iris, que o Ceo limpa, Quando se vê na tormenta. Assim, Marilia, desterro Triste illusão, e demencia; Faz de novo o seu officio, A razão, e a prudencia; E firmo esperanças doces Sobre a candida innocencia. Restauro as forças perdidas, Sóbe a viva côr ao rosto; Gyra o sangue pela vêa, E bate o pulso composto. Vê, Marilia, o quanto póde Contra os meus males teu rosto. FIM. MARILIA DE DIRCEO. POR F.A.G. TERCEIRA PARTE. LISBOA: Na Impressão Regia. Anno 1812. _Com licença_. _Vende-se na loja da Gazeta_. AO LEITOR. A geral acceitação, que a primeira, e segunda parte da Marilia de Dirceo tem devido ao Público, animou ao seu Editor a dar á luz huma terceira parte da dita Obra, a que fez juntar outras diversas Rimas do mesmo Author, que lhe fazem honra, e que abonão assás a distincta opinião que tem adquirido naquelle genero de Poesia. Adverte o Editor, que huma terceira parte da dita Marilia de Dirceo ha tempos publicada, he Obra de outro engenho, o que facilmente conhecerá ainda o Leitor menos intelligente. MARILIA DE DIRCEO. LYRA I. Convidou-me a vêr seu Templo O cego Cupido hum dia; Encheo-se de gosto o peito, Fiz deste Deos hum conceito Como delle não fazia. Aqui vejo descorados Os ternissimos amantes Entre as cadêas gemerem; Vejo nas piras arderem As entranhas palpitantes. _A quem ama quanto avista_, (Diz Cupido) _não aterra: Quem quer cingir o loureiro, Tambem vai soffrer primeiro Todo o trabalho da guerra_. _Com tudo que te dilates Neste sitio não convenho; Deixa a estancia lastimosa, Vem vêr a Salla formosa, Aonde o meu Solio tenho_. Entro n'outro grande Templo: Que perspectiva tão grata! Tudo quanto nelle vejo Passa além do meu desejo, E o discurso me arrebata. He de marmore, e de jaspe O soberbo frontespicio: He todo por dentro d'ouro, E a hum tão rico tesouro Inda excede o artificio. As janellas não se adornão De sedas de finas côres: Em lugar de cortinados Estão prezos, e enlaçados Fastões de mimosas flores. Em torno da Salla Augusta Ardem dourados brazeiros; Queimão rezinas, que estalão, E postas em fumo exalão Da Panchaya os gratos cheiros. Ao pé do Throno os seus Genios Alegres hymnos entoão: Danção as Graças formosas; E aqui as horas gostosas Em vêz de correrem, vôão. Estão sobre o pavimento, Igualmente reclinados Nos collos de seus amores, Os grandes Reis, e Pastores De frescas rosas coroados. Mal o acôrdo restauro, (Me diz, o Moço risonho:) _Como ainda não reparas Em tantas cousas tão raras, De que este Templo componho_? _Sabes a historia de Jove? Aqui tens o manso Touro; Tens o Cisne decantado; A Velha em que foi mudado, Com a grossa chuva d'ouro_. _Applica, Dirceo, agora Os olhos para esta parte: Aqui tens o verde Louro, Que inda estima o Pastor louro, E a Rede, que enlaça a Marte_. _Vês este Arco destramente De branco marfim ornado? Á Casta Deosa servia, E o perdêo quando dormia Do gentil Pastor ao lado_. _Vês esta Lyra? com ella Tira Orpheo ao bem querido Dos infernos aonde estava. Vês este Faról? guiava Ao meu nadador de Abydo_. _Vês estas duas Espadas Ainda de sangue cheias? A Thysbe, e a Dido matárão; E os fortes pulsos armárão De Pyramo, e mais de Eneas_. _Sabes quem vai no Navio, Que nesse mar se levanta? He Theseo. Vês esse Pomo? He de Cydippe, assim como São aquelles de Atalanta_. _Vê agora estes retratos, Que destros pinceis fizerão: Ah! que pinturas divinas! Todos são das Heroinas, Que mais victorias me dérão_. _Repara nesse semblante, He o semblante de Helena: Lá se avista a Grega Armada, E aqui de Troya abrazada Se mostra a funesta scena_. _Vês est'outra_ formosura? _He a bella Deidamía_; _Lá_ tem Achilles ao lado, _De huma saia disfarçado Como com ella vivia_. _Cleópatra he quem se segue: Alli tens lançando a linha Marco Antonio socegado, Ao tempo em que Augusto irado, Com armada mão caminha_. _Aqui Hermes se figura: Vê hum Sabio dos maiores, Qual infame delinquente, Ir desterrado sómente Por contar os seus louvores_. _Este he de Omphale o retrato: Aqui tens (quem o diria!) Ao grande Hercules sentado Com as mais damas no estrado, Onde em seu obsequio fia_. _Anda agora a est'outra parte: Conheces, Dirceo, aquella_? Onde váes? (lhe digo:) explica, Que belleza aqui nos fica, Sem fazeres caso della? Ergo os olhos ponho a vista Na imagem não explicada, Ó quanto he digna de appreço! Mal exclamo assim, conheço Ser a minha doce amada. O coração pelos olhos Em terno pranto sahia, E no meu peito saltava: Disfarçado Amor, olhava Para mim a furto, e ria. Depois de passado tempo, A mim se chega, e me aballa; Desperto de tanto assombro: Elle bate no meu hombro, E assim affavel me falla. _Sim, caro Dirceo, he esta A divina formosura, Que te destina Cupido; Aqui tens o laço urdido Da tua immortal ventura_. _O Numen, Dirceo, o Numen Que aos trabalhos de hum humano Desta sorte felicita, Não he, como se accredita, Não he hum Numen tyranno_. _Olha se a cega Fortuna De tudo quanto se cria, Ou nos mares, ou na terra, Em o seu thesouro encerra Outro bem de mais valia_? _Lizas faces côr de rosa, Brancos dentes, olhos bellos, Grossos beiços encarnados, Pescoço, e peitos nevados, Negros e finos cabellos_; _Não vale mais, que cingires Co' braço de sangue immundo Na cabeça o verde louro? Do que teres montes d'ouro? Do que dares leis ao mundo_? _Ah! ensina, sim ensina Ao vil mortal atrevido, E ao peito que adora terno, Que tem para hum Inferno, Para o outro hum Ceo, Cupido_. Ao resto Amor me convida; Eu chorando a mão lhe beijo: E lhe digo, Amor, perdôa Não seguir-te; pois não vôa A vêr mais o meu dezejo. LYRA II. Em vão do amado Filho que foge, Venus quer hoje Noticias ter. Sagaz, e astuto Elle se esconde Em parte aonde Ninguem o vê. Dos signaes dados Bem se conhece, Que elle aborrece A Mãi que tem. Se os seus defeitos Ella publíca, Razão lhe fica De se offender. Foge o Menino, E disfarçado Vive abrigado N'uma cruel. Com mil caricias A impia o trata; Nem o desata Do peito seu. Se a semelhança Sempre amor gera, Deve huma fera Outra accolher. Ah! se o teu nome, Marilia, calo, Que de ti fallo Bem pódes crer. LYRA III. Tu não verás, Marilia, cem captivos Tirarem o cascalho, e a rica terra, Ou dos cercos dos rios caudelosos, Ou da minada Serra. Não verás separar ao habil negro Do pezado esmeril a grossa arêa; E já brilharem os granetes de ouro, No fundo da batêa. Não verás derrubar os virgens matos, Queimar as capoeiras inda novas, Servir de adubo á terra a fertil cinza, Lançar os grãos nas cóvas. Não verás enrolar negros pacotes Das secas folhas do cheiroso fumo; Nem espremer entre as dentadas rodas Da doce cana o sumo. Verás em cima da espaçosa meza Altos volumes de enredados feitos; Ver-me-has folhear os grandes livros, E decidir os pleitos. Em quanto revolver os meus Consultos, Tu me farás gostosa companhia Lendo os fastos da sabia, mestra Historia, Os Cantos da Poesia. Lerás em alta Voz a imagem bella; Eu vendo que lhe dás o justo appreço; Gostoso tornarei a lêr de novo O cansado processo. Se encontrares louvada huma belleza, Marilia, não lhe envejes a ventura, Que tens quem leve á mais remota idade A tua formosura. LYRA IV. Amor por acaso A hum pouso chegava, Aonde accolhida A Morte se achava. Risonhos, e alegres Os braços se dérão, E as armas unidas N'um sitio pozerão. De emprezas tamanhas Cansados já vinhão, E em larga conversa A noite entretinhão. Hum conta que ha pouco A seta aguçada Em huma belleza Deixára empregada. Diz outro que as flexas Cravára no peito De hum grande, que teve O Mundo sujeito. Em quanto das forças Cada hum persumia, Seus membros já laços O somno rendia. Dormindo tranquillos A noite passárão, E inda antes da Aurora Com ancia acordárão. _He tempo que o leito Deixemos, ó Morte_; Amor, já erguido Fallou desta sorte. _He tempo_, em resposta A morte repete, _Que á nossa fadiga Dormir não compete_. _As armas colhamos, Voltemos ao giro: Cada hum a seu gosto Empregue o seu tiro_. Vão inda c'os olhos Em somno turbados, Ao sitio em que os ferros Estão pendurados. Amor para as setas Da morte se enclina: De amor logo a Morte C'o as flexas atina. Oh golpes tyrannos! Oh mãos homicidas! São tiros da Morte De Amor as feridas. De hum sonho, que pinto, Marilia conhece, Se amor, ou se morte Este alma padece. LYRA V. Eu não sou, minha Nize, pegureiro, Que viva de guardar alhêo gado; Nem sou pastor grosseiro Dos frios gêlos, e do Sol queimado, Que veste as pardas lãs do seu cordeiro. Graças, ó Nize bella, Graças á minha Estrella! A Cresso não igualo no thesouro: Mas deo-me a Sorte com que honrado viva. Não cinjo corôa d'ouro; Mas Póvos mando, e na testa altiva Verdeja a Corôa do Sagrado Louro. Graças, ó Nize bella, Graças á minha Estrella! Maldito seja aquelle, que só trata De contar escondido a vil riqueza! Que cego se arrebata Em buscar nos Avós a vã nobreza, Com que aos mais homens seus iguaes abata. Graças, ó Nize bella, Graças á minha Estrella! As fortunas que em torno de mim vejo, Por falsos bens que enganão não reputo; Mas antes mais desejo, Não para me voltar soberbo em bruto Por vêr-me grande quando a mão te beijo. Graças, ó Nize bella, Graças á minha Estrella! Pela Ninfa que jaz vertida em Louro, O grande Deos Apollo não delira? Jove mudado em Touro, E já mudado em Velha não suspira? Seguir aos Deoses nunca foi desdouro. Graças, ó Nize bella, Graças á minha Estrella. Pertendão Hanibaes honrar a Historia, E cinjão com a mão de sangue chêa Os louros da victoria. Eu revolvo os teus dons na minha idéa: Só dons que vem do Ceo são minha gloria. Graças, ó Nize bella, Graças á minha Estrella! LYRA VI. _Traducção_. Amor que seus passos Ligeiro movia, Por mil embaraços Que hum bosque tecia. Nos hombros me acena Com brando raminho; E logo me ordena Que siga o caminho. Por entre a espessura Do bosque me avanço: E a traz da ventura Incauto me lanço. Já tinha calcado Os montes mais duros: C'o peito rasgado Os rios escuros. Eis que huma serpente A lingua vibrando, Me crava o seu dente, Me deixa espirando. Então surprendida Da dôr que a traspassa, Minha alma ferida Aos beiços se passa. As iras detesta Amor isto vendo, E as azas na testa Me bate dizendo: _Tu choras, tu gemes Da Serpe tocado, E o braço não temes De hum Numen irado_? LYRA VII. Tu, formosa Marilia, já fizeste Com teus olhos ditosas as campinas, Do turvo Ribeirão em que nasceste: Deixa, Marilia, agora As já lavradas terras; Anda affoita romper os grossos mares, Anda encher de alegria estranhas terras. Ah! que por ti suspírão Os meus saudosos lares. Não corres como Sapho sem ventura Em seguimento de hum cruel ingrato, Que não sede aos encantos da ternura: Segues a hum fino amante, Que a perder-te morria. Quebra os grilhões do sangue, e vem, ó bella; Tu já foste no Sul a minha guia. Ah! deves ser no Norte Também a minha Estrella. Verás ao Deos Neptuno socegado Aplainar co' tridente as crespas ondas; Ficar como dormindo o mar salgado. Verás, verás d' alheta Soprar o brando vento, Mover-se o léme, disrinzar-se o linho, Seguirem os Delfins o movimento, Que leva na carreira O empavezado pinho. Verás como o Leão na prôa arfando Converte em branca espuma as negras ondas E as talha, e corta com murmurio brando. Verás, verás Marilia Da janella dourada, Que huma comprida estrada representa A linfa cristalina, que pizada Pela poupa que foge Em borbotões rebenta. Bruto peixe verás de corpo immenso, Tornar ao torto anzol depois de o terem Pela rasgada boca ao ar suspenso: Os pequenos peixinhos Quaes passaros voarem: De toninhas verás o mar coalhado, Ora surgirem, ora mergulharem, Fingindo ao longe as ondas Que fórma o vento irado. Verás que o grande monstro se apresenta Hum repuxo formando com as aguas, Que ao ar espalha da robusta venta. Verás em fim, Marilia, As nuvens levantadas Humas de côr azul, ou mais escuras, Outras de côr de rosa, ou prateadas Fazerem no Orizonte Mil diversas figuras. Mal chegares á foz do claro Téjo, Apenas elle vir o teu semblante Dará no léme do baixel hum beijo. Eu lhe direi vaidoso: Não trago, não comigo Nem pedras de valor, nem montes d'ouro, Roubei as aureas Minas, e consigo Trazer para os teus cofres Este maior Thesouro. LYRA VIII. Em cima dos viventes fatigados As verdes dormideiras espremia, Os mentirosos sonhos me cercavão. Na vaga fantasia Ao vivo me pintavão As glorias, que disperto Meu coração pedia. Eu vou, eu vou subindo a Náo possante Nos braços conduzindo a minha bella; Voltêa a grande roda, e a grossa amarra Se enlêa em torno della: Já ponho a prôa á barra, Já cáhe ao som do apito Ora huma, ora outra véla. Os arvoredos já se não distinguem: A longa praia ao longe não branqueija; E já se vão sumindo os altos montes. Já não ha que se veja Nos claros Orizontes, Que não sejão vapores, Que Ceo, e mar não seja. Parece vão correndo as negras ondas, E o pinho qual rochedo estar parado: Ergue-se a onda, vem á Náo direita E quebra no costado: O Navio se deita, E ella finge a ladeira Sahindo do outro lado. Vejo nadarem os brilhantes peixes; Cahir do Láes a linha, que os engana: Hum dourado no anzol está pendente, Soffre morte tyranna; Entre tanto que a sente Ao tombadilho açoita A cauda, e a barbatana. Sobre as ondas descubro huma Carroça De formosas conchinhas enfeitada; Delfins a movem, e vem Thetis nella: Na popa está parada: Nem póde a Deosa bella Tirar os brandos olhos Da minha doce amada. Nas costas dos Golfinhos vem montados Os nûz Tritões, deixando a Esfera cheia Co' rouco som dos buzios retorcidos. Recrêa, sim recrêa Meus attentos ouvidos O canto sonoroso Da musica Serêa. Já sóbe ao grande mastro o bom gageiro; Descobre arrumação, e grita terra: Á murada caminha alegre a gente; Alguns entendem que erra: Pelo immovel sómente Conheço não ser nuvem, Sim o cume de alta serra. De Mafra já descubro as grandes torres; (E que nova alegria me arrebata!) De Cascaes a muleta já vem perto, Já de abordar-nos trata: Já o piloro esperto Inda debaixo manda Soltar mezena, e gata. Eu vou entrando na espaçosa barra: A grossa artilheria já me atrôa. Lá ficão Paço de Arcos, e a Junqueira. Já corre pela prôa Huma amarra ligeira; E a Náo já fica surta Diante da grã Lisboa. Agora, agora sim, agora espero Renovar da amizade antigos laços: Eu vejo ao velho Pai, que lentamente Arrasta a mim os passos: Ah como vem contente! De longe mal me avista Já vem abrindo os braços. Dóbro os joelhos pelos pés o aperto, E manda que dos pés ao peito passe: Marilia quanto eu fiz fazer intenta; Antes que os pés lhe abrace Nos braços a sustenta; Dá-lhe de filha o nome, Beija-lhe a branca face. Vou a descer a escada (ó Ceos!) acórdo, Conheço não estar no claro Tejo. Abro os olhos, procuro a minha amada, E nem se quer a vejo. Venha a hora affortunada, Em que não fique em sonhos Tão ardente desejo. _A huma despedida_. Chegou-se o dia mais triste, Que o dia da morte fêa: Cahi do throno Dircéa, Do throno dos braços teus. Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. Impio Fado, que não pôde Os doces laços quebrar-me, Por vingança quer levar-me Distante dos olhos teus. Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. Parto em fim, e vou sem vêr-te, Que neste fatal instante, Ha de ser o teu semblante Mui funesto aos olhos meus. Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. E crês, Dircéa, que devem Vêr meus olhos penduradas Tristes lagrimas salgadas Correrem dos olhos teus? Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. De teus olhos engraçados, Que podérão piedosos, De tristes em venturosos Converter os dias meus? Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. Desses teus olhos divinos, Que ternos, e socegados, Enchem de flores os prados, Enchem de luzes os Ceos? Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. Desses teus olhos em fim, Que domão Tigres valentes? Que nem rigidas Serpentes Resistem aos tiros seus? Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. Da maneira que serião Em não vêr-te criminosos Em quanto forão ditosos, Agora serião réos. Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. Parto em fim, Dircéa bella, Rasgando os ares cinzentos; Virão nas azas dos ventos Buscar-te os suspiros meus. Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. Talvez, Dircéa adorada, Que os duros Fados me neguem A gloria de que elles cheguem Aos ternos ouvidos teus. Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. Mas se ditosos chegarem, Pois os sólto a teu respeito; Dá-lhes abrigo no peito, Junta-os c'os suspiros teus. Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. E quando tornar a vêr-te Ajuntando rosto, a rosto, Entre os que dérmos de gosto; Restitue-me então os meus. Ah! não posso, não, não posso Dizer-te meu bem adeos. CANÇÃO. Dês que vi, formosa Elvira, Os teus divinos cabellos, Esses vivos olhos bellos, Que invéja dos astros são, Foi-se, Elvira, foi-se embora Toda a paz do coração. E talvez, talvez que Elvira Nem se lembre de que Alceo, Se suspira, Se delira, He só por motivo seu. Em quanto, Elvira, se occulta A meus olhos teu semblante, Hum minuto, hum breve instante Parece que fim não tem. Se alcanço de vêr-te a gloria, Então vôa o tempo bem. E talvez, talvez que Elvira Nem se lembre de que Alceo, Se suspira, Se delira, He só por motivo seu. Quando te ris por acaso Para outro qualquer sugeito, Estala dentro do peito De ciume o coração: Se me pões os olhos julgo Que zombas de mim então. E talvez, talvez que Elvira Nem se lembre de que Alceo, Se suspira, Se delira, He só por motivo seu. Quando ha brinco na floresta, E a divina Olaia canta, O mesmo gado levanta A cabeça para ouvir. Só por mais que Alceo forceje Não póde o prazer fingir. E talvez, talvez que Elvira Nem se lembre de que Alceo, Se suspira, Se delira, He só por motivo seu. Quando levo á clara fonte O rebanho do meu gado, Cáhe-me da mão o cajado, E com ella á testa vou: Fico pasmado, e ignoro O lugar aonde estou. E talvez, talvez que Elvira Nem se lembre de que Alceo, Se suspira, Se delira, He só por motivo seu. Quando vou segar o trigo, (Olha bem como ando cego.) N'uma parte nelle pego, Metto n'outra a fouce em vão; Dos que vem alguns se riem, Outros mostrão compaixão. E talvez, talvez que Elvira Nem se lembre de que Alceo, Se suspira, Se delira, He só por motivo seu. Quando me deito no colmo, Sempre sonho que te vejo, Que te fallo, e que te beijo A branca nevada mão. Acórdo, Pastora, e foges: Eu fico mais triste então. E talvez, talvez que Elvira Nem se lembre de que Alceo, Se suspira, Se delira, He só por motivo seu. Quando alguem meu mal pergunta, Bem que seja a vez primeira, Rompo ainda que não queira O segredo sem saber. O teu nome, Elvira, digo, Quando devo o seu dizer. E talvez, talvez que Elvira Nem se lembre de que Alceo, Se suspira, Se delira, He só por motivo seu. Fujo ao trato dos pastores, Para hum bosque me retiro; Com desafogo suspiro, E chamo por ti meu bem. Os valles que se enternecem Chamão-te ao longe tambem. E talvez, talvez que Elvira Nem se lembre de que Alceo, Se suspira, Se delira, He só por motivo seu. Quando escuto o triste mocho A gemer no meu telhado, Qualquer mal excogitado Não me deve algum temor: Só receio que me agoure Máo successo ao meu amor. E talvez, talvez que Elvira Nem se lembre de que Alceo Se suspira, Se delira, He só por motivo seu. Os pastores que me avistão Com o dedo já me apontão, E á roda do fogo contão Da maneira que me vem. Sou o exemplo dos amantes Que esta nossa Aldêa tem. E talvez, talvez que Elvira Nem se lembre de que Alceo, Se suspira, Se delira, He só por motivo seu. SONETO I. He gentil, he prendada a minha Altéa; As graças, a modestia do seu rosto Inspírão no meu peito maior gosto, Que vêr o proprio trigo quando ondêa. Mas vendo o lindo gesto de Dircéa A nova sugeição me vejo exposto; Ah! que he mais engraçado, mais composto, Que a pura Esfera de mil astros chêa. Prender as duas com grilhões estreitos He huma acção (ó Deoses!) inconstante, Indigna de sinceros, nobres peitos. Cupido, se tens dó de hum triste amante, Ou fórma de Lorino dous sugeitos, Ou fórma desses dous hum só semblante. SONETO II. N'um fertil campo do soberbo Douro, Dormindo sobre a relva descançava, Quando vi que a Fortuna me mostrava Com alegre semblante o seu Thesouro. De huma parte h[~u] montão de prata, e ouro Com pedras de valor o chão curvava; Aqui hum sceptro, alli hum trono estava, Pendião coroas mil de grama, e louro. _Acabou-se_ (diz-me então) _a desventura: De quantos bens te exponho qual te agrada, Pois benigna os concedo, vai, procura_. Escolhi, acordei, e não vi nada: Commigo assentei logo que a ventura Nunca chega a passar de ser sonhada. SONETO III. Enganei-me, enganei-me, paciencia; Accreditei as vozes, cri, Ormia, Que a tua singeleza igualaria Á tua mais que angelica apparencia. Enganei-me, enganei-me, paciencia; Ao menos conheci que não devia, Pôr nas mãos de huma externa galhardia O prazer, o socego, e a innocencia. Enganei-me, Cruel, com teu semblante, E nada me admiro de faltares, Que esse teu sexo nunca foi constante. Mas tu perdestes mais em me enganares; Que tu não acharás hum firme amante, E eu posso de traidoras ter milhares. SONETO IV. Ainda que de Laura esteja ausente, Ha de a chama durar no peito amante; Que existe retratado o seu semblante, Se não nos olhos meus, na minha mente. Mil vezes finjo vêla, e eternamente Abraço a sombra vã; só nesse instante Conheço que ella está de mim distante, Que tudo he illusão que esta alma sente. Talvez que ao bem de a vêr Amor resista; Porque minha paixão, que aos Ceos he grata, Por innocente assim melhor persista: Pois quando só na idéa ma retrata, Debuxa os dotes com que prende vista, Esconde as obras com que offende ingrata. SONETO V. Ao Templo do Destino fui levado: Sobre o Altar hum Cofre se firmava, Em cujo seio cada qual buscava Tremendo annuncio do futuro estado. Tiro hum papel, e leio: Ceo Sagrado! Com quanta causa o coração pulsava: Este duro Decreto escrito estava, Com negra tinta pela mão do Fado. _Adore Polidoro a bella Ormia, Sem della conseguir a recompensa, Nem quebrar-lhe os grilhões a tyrannia_. Das mãos, Amor mo arranca, e sem detença Tres vezes o levando á boca impía, Jurou comprir á risca a tal sentença. SONETO VI. Ergue-te, ó Pedra, e desde a margem fria, Que os muros banha a Lusitana Athenas, Mostra-me as desmaiadas assucenas Do rosto que me occupa a fantasia. Deixa [~q] eu beije a mão, [~q] pôde hum dia Ceder de amor ás lastimosas scenas; Q'entre as ancias, a dôr, a mágoa, as penas Renove a saudosa idolatria. Solto do véo mortal, oh Feliz Astro, Une ao cadaver a truncada testa, Levanta o bello cólo de alabastro: Huma alma grande junto a ti protesta Fazer a gloria da defunta Castro; A illustre Neta vez: Maria he esta. _Á Illustrissima e Excellentissima Senhora Condessa de Cavalleiros, D. Maria José de Eça e Bourbon_. SONETO VII. Quantas vezes Lidora me dizia, Ao terno peito minha mão levando, Conjurem-se em meu mal os Astros, quando Achares no meu peito aleivosia. Então que não chorasse lhe pedia, Por firme seu amor acreditando; Ah! que em movendo os olhos suspirando Ao mais acautellado enganaria. Hum anno assim viveo: ó Ceos! agora Mostrou que era mulher: a natureza Só por não se mudar a fez traidora. Não, não darei mais cultos á belleza, Que depois de faltar á fé, Lidora, Nem creio que nas Deosas ha firmeza. SONETO VIII. O Numen Tutelar da Monarquia, Que fez do grande Henrique a invicta espada, Procurou dos Destinos a morada, Por consultar a idade que viria. A mil, e mil heróes descriptos via, Que exaltão de Furtado a estirpe honrada, E na serie, que adora dilatada, O nome de Francisco descobria. Contempla huma por h[~u]a as letras d'ouro, Este penhor, que o tempo não consome, Promette ao Reino seu maior thesouro. Prosta-se o Genio: e sem [~q] a empreza tome De lhe buscar sequer mais outro agoiro, O sitio beija, e lhe mostra o nome. _Ao Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Visconde de Barbacena, Francisco Furtado de Mendonça_. SONETO IX. Nascer no berço da maior grandeza, De palmas, e de louros rodeado, Deve-se aos grandes Pais, ao Tronco honrado, Que illusrra desde longe a natureza. Se porém muito mais se adora, e preza O dom que o nobre sangue trás herdado Pela propria virtude sustentado, Feliz o objecto da presente empreza. De mil Heróes no Téjo vencedores Hum ramo nasce, hum ramo que a memoria Faz immortal de seus Progenitores. Eu leio em vaticinio a sua historia; Une Francisco a par de seus maiores Ao herdado explendor a propria gloria. _Ao mesmo excellentissimo Visconde_. SONETO X. Mudou-se em fim Lidora, essa Lidora Por quem mil vezes fé me foi jurada; Que vos detem (ó Ceos!) que castigada Ainda não deixais tão vil traidora? Não haja piedade: sinta agora A dita sem remedio em mal trocada; Pois se assim não succede, fica ousada Para ser outra vez enganadora. Vingai, ó justos Ceos..., mas ah! [~q] digo? Que maltrateis Lidora? o sentimento Privou-me do discurso, eu me desdigo. Não, não vibreis o raio violento; Pois sei que a compaixão do seu castigo, Hade augmentar depois o meu tormento. SONETO XI. A Deos cabana, a Deos; a Deos, ó gado, Albina ingrata, a Deos, em paz te deixo: A Deos doce rabil, neste alto freixo Te fica ao meu destino consagrado. Se te for meu successo perguntado, Não declares rabil de quem me queixo; Não quero que se saiba vive Aleixo Por causa de huma infame desterrado. Se vires a Pastor desconhecido, Lhe dize então piedoso: Ah! vaite embora, Atalha os damnos, que outros tem sentido. Habita nesta Aldêa huma Pastora De rosto bello, coração fingido, Humas vezes cruel, e as mais traidora. SONETO XII. Com pezadas cadeias maniatado, Ás vozes da razão insurdecido, Dos Ceos, de mim, dos homens esquecido Me vi de amor nas trévas sepultado. Alli aliviava o meu cuidado Cõ dar de quando em quando algum gemido: Ah tempo! que sómente reflectido Me fazes entre as ditas desgraçado. Assim vivia, quando a falsidade De Laura me tornou n'um breve dia Quanto a razão não pôde em longa idade. Quebrei o vil grilhão que me opprimia: Ó feliz de quem gosa a liberdade! Bem que venha por mãos da aleivosia. SONETO XIII. Obrei quanto o discurso me guiava; Ouvi os Sabios quando errar temia: Aos bons no gabinete o peito abria; Na rua a todos como iguaes honrava. Julgando os crimes nunca voto dava Mais duro, ou pio do que a Lei pedia; Mas podendo salvar o justo ria, E devendo punir ao réo chorava. Nem forão, Villa Rica, os meus intentos Metter em ferreo cofre copia d'ouro, Que chegue aos filhos, e que passe aos netos. Outras são as venturas que me agouro: Ganhei saudades, adquiri affectos, Vou fazer destes bens melhor thesouro. _Feito quando o Author acabou o Lugar de Ouvidor de Villa Rica, e foi despaçhado para Desembargador da Bahia_. SONETO XIV. Quando o torcido buço derramava Terror no aspecto ao Portuguez sisudo, Quando sem pó, nem oleo o pente agudo Duro intonso o cabello em laço atava. Quando contra os Irmãos o braço armava O forte Nuno oppondo escudo, a escudo; Quando a palavra que perfere a tudo Com a barba arrancada João firmava. Quando a mulher á sombra do marido Tremer se via: quando a Lei prudente Zelava o sexo do civil ruido; Feliz então, então só innocente Era de Luso o Reino: oh bem perdido! Ditosa condição, ditosa gente! SONETO XV. Sombras illustres dos varões famosos, Que á Grecia, e Roma destes Leis hum dia; Vós que do Elysio na região sombria Respiraes entre os Zefiros mimosos. Grande Licurgo, ó tu Solon, [~q] honrosos Louros cingis, que egregia companhia Fazeis aos Mazzarinos, eu queria Adorar vossos vultos magestosos. Vós fizesteis da vossa Patria a gloria; Por vós hoje he feliz a humanidade: Que dignos sois de huma immortal historia! Cesce, cesse porém vossa vaidade; Que basta a escurecer vossa memoria Hum Carvalho, que adora a nossa idade. _Ao Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Marquez de Pombal reformando a Universidade de Coimbra_. SONETO XVI. As molles azas a bater começa Entre as palhas o tenro passarinho, E largos dias por deixar o ninho Se cança, se fadiga, se arremeça. H[~u] impulso, outro impulso é vão se apresa, Já se firma no pé, já no biquinho, Nas folhas se tem, passa ao raminho Té que a penna se esforce, e se endureça. Quando emfim he capaz de movimento Deixa os arbustos vaga pelos ares, E sobre as altas faias toma assento: Estes sejão, Salicio, os exemplares Em que a vossa virtude anime o alento, Porque hum dia da Fama honre os Altares. _Ao Illustrissimo Senhor Luiz Beltrão de Gouvea_. ODE. Se entre as louras arêas Do meu Jaquitinhonha, hum Genio erguido Ás Regiões alheas Manda que em doce metro reppetido Hoje o teu Nome leve, Tanto á virtude, meu Beltrão, se deve. Vejo a sordida inveja De ira morder-se, e as serpes sacudindo Por se tragar forceja: De pejo, e de vergonha em vão cobrindo Co' as frias mãos o rosto, Geme a calumnia no mortal desgosto. Vós, Genios fortunados, Que do Templo da Gloria honrais a estancia, Os meritos sagrados Cantai do bom Ministro: He a constancia, A sabia fortaleza He quem o guia na maior empreza. Se os rigidos palmares Da Idumeya consulto; o bravo Noto Os tormentosos ares Não podem mais dobralos: zomba immoto, Nem ás ondas tem medo Sobranceiro ao Egeo, firme penedo. Tal a constancia tua Em meio foi dos perfidos rumores; A verdade, que nua Derramava em teu rosto as vivas côres, Sobre as aras decentes Vio por triunfo mil trofeos pendentes. A vigilancia, o zelo, A rectidão do espirito; elevada Ao gráo mais rico, e bello, Essa virtude, que nos traz provada Em meio dos Thesouros A sã virtude, que enobrece os Louros: Tudo, tudo apparece Sabio Ministro da victoria ao lado; Athenas, que me offerece No seu público Erario accreditado Aristides, o Justo, Em ti acena o seu modelo augusto. Mil vezes orgulhosa Negra calumnia o seu desterro tenta; A virtude preciosa Contra o fero Themistocles sustenta. Não ha força que baste, Não ha poder que o peito lhe contraste. Feliz o Rei, o Povo, Feliz tambem de Themis a ballança; De hum modo raro, e novo Nas tuas mãos eu vejo, que descança: Aos premios, ao castigo Se reparte sem queixa o braço amigo. Ah! sinta a nossa idade De hum sangue illustre, de hum talento raro A próvida igualdade! Melhor do que nos marmores de Pharo, Em memoria nos vindouros T'ergue o Serro h[~u] Padrão nos seus Thesouros. _Imitando o sonho de Scipião_. ODE. Já vou tocando, ó Licio, De Lustros dez o fatigado termo; E já meu corpo enfermo Se avisinha da morte ao duro officio: Que cedo o meu destino me promette Calcar as sombras do medonho Lethe! Eu descerei contente A ver os Manes dos Avós amados; Que bem aventurados, Se outro mundo tratarão, se outra gente! Não virão elles, como eu triste vejo, O velho mando peiorar sem pejo. Passárão da innocencia Pela candida estrada os pés levando; Inda a fera violencia Não corrompia da Justiça o mando; Praticava-se a próvida igualdade Entre a Santa Virtude, e a vil maldade. A pura fé do Amigo, Renovava de Orestes a memoria: Commum era o perigo, Reciproca tambem a pena, a gloria: Que traições, e que enganos tem disposto Em nossos dias hum fingido rosto! Tudo se vê mudado Nesta idade fatal em que de ferro O Idolo adorado Torpemente protege o crime, o erro: Como de susto, e de vergonha cheia Se retira de nós a bella Astrea! Ah! E quem de teus laços Deve ao pezo gemer, ó mundo cego? Rotos em mil pedaços Os teus grilhões a pendurar já chego; Não mais os teus encantos me deleitem, Estes miseros restos se aproveitem. Que differentes climas Já me finjo habitar! Os brandos ares, Que tu Zefiro, animas Que prazeres me inspirão! Dos pezares, Das magoas, do desgosto, e do tormento Aqui não sôa o tragico lamento. Sôlto do mortal manto Cuido que o centro dos Elysios piso! Oh quanto he bella, quanto A margem deste Lago! Em fresco riso Lirios, e rosas, quaes não colhe Flora, Aqui saudão a perpetua Aurora. Adoravel sciencia, Que encheste as noites, e esgotaste os dias, Da humana intelligencia, Agora sei quam longe te desvias! Este o seio da luz, aonde tudo Sem fadiga se alcança, e sem estudo! O número, a distancia Dos Orbes Celestiaes já sabio admiro: Noto a eterna constancia Do Planeta da Luz; observo o giro Da Terra, que regula a varia face Com que a proxima Lua, ou morre, ou nasce. Certa, e firme a carreira Já marco de Saturno, Marte, ou Jove, Da esfera derradeira Contemplo a força, que os mais Orbes move; A harmonia me encanta acorde, e rara, Que de Samos o Sabio já notára. Aqui se patentêa Dos errados systemas o conceito; E longe a minha idéa De vacilar, já firma o mais perfeito. Quem senão tu, ó Genio, sobre humano Libertar me podéra deste engano! De Massinissa o Paço De Carthago ao Heróe tal scena pinta: Ao soberbo ameaço Da Fortuna, elle vê clara, e distincta, Qual o meu Genio me retrata agora, A bella Patria, onde o descanço mora. He este, ó Licio, he este Sem dúvida, o Paiz bello, e sereno, Aonde em paz celeste Não respira da inveja o atroz veneno: E aonde livres da infeliz mudança Descança o teu, e o meu bom Pai descança. Que doce companhia Deveremos fazer-lhes? Ah se apresse O momento que hum dia Tão gostosa união nos lavra, e tece! Cheguemos a beijar as Mãos Sagradas, Que enchem de gloria as immortais Moradas. Em praticas suaves Alli as breves horas gastaremos; Nem já nos serão graves Na lembrança os trabalhos que aqui temos; Nem da pezada humanidade nossa Pena haverá, que atormentar-nos possa. Mas tu, que dos humanos Reges, ó Grande Deos, a dubia sorte; Tu, que a meta dos annos Firmas, descendo de teu mando a morte, Dilata os dias do meu Licio, em quanto, Douto me instrue, e me entertem seu canto. FIM End of Project Gutenberg's Marilia de Dirceo, by Tomás António Gonzaga *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MARILIA DE DIRCEO *** ***** This file should be named 18082-8.txt or 18082-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/1/8/0/8/18082/ Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. 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